O coiote comeu o Papa-Léguas? Alberto Fuguet

Além de grande escritor da era pós-ditadura no Chile, Alberto Fuguet é jornalista, roteirista e cineasta. Nascido em Santiago em 1964, embora tenha vivido quase 11 anos nos EUA, voltou ao Chile em 1975 em meio ao regime ditador de Pinochet. Em seu país natal, estudou Sociologia e Jornalismo pela Universidad de Chile e é, atualmente, professor da Universidad Alberto Hurtado.

No campo literário, Fuguet escreveu diversas ficções e contos, assim como produziu e dirigiu filmes para cinema e televisão que fizeram muito sucesso. Entretanto, seu romance com maior destaque é Mala Onda, que originalmente se chamava El Coyote se comió al Correcaminos, dentro do panorama geracional da nueva narrativa chilena de los noventa.

O livro foi publicado em 1991 e nos revela a história de um jovem chileno, vivendo em Santiago, seus temores, anseios e experiências na capital, enquanto a ditadura tomava conta de todo o Chile.

Em relação às técnicas literárias, seu romance é um Bildungsroman, palavra alemã para os romances de aprendizagem, ou seja, livros que trabalham a temática da passagem da infância para a vida adulta, denotando o desenvolvimento dos indivíduos sob os aspectos morais, físicos, sexuais, psicológicos, sociais e políticos, quase sempre atrelados uns aos outros.

O enredo da obra é permeado pelas expectativas e acontecimentos nos dias próximos ao plebiscito chileno em setembro de 1980, que decidiria sobre a permanência ou não da ditadura, na figura de Augusto Pinochet, por mais oito anos.

O protagonista, Matías Vicuña, que também narra a sua própria história, é um adolescente chileno de 17 anos filhos de pais acomodados com a situação do país e tentam aproveitar-se dela para obter benefícios.

A narrativa nos traz a vida de Vicuña repleta de muitas festas, rock, drogas, sexo que talvez possamos relacionar com as pressões que a sociedade exerce sobre os indivíduos, assim como a apatia de viver em um ambiente ditador que prega uma falsa moralidade e esconde as mazelas do regime.

Enquanto escritor, Alberto Fuguet se demarca como um realista, abordando temáticas urbanas e cotidianas, fazendo oposição ao realismo mágico, muito comum aos livros latino-americanos, principalmente depois da segunda metade do século XX, embora tenhamos várias correntes contrárias.

No entanto, é importante salientar, que o realismo do escritor não pode ser confundido com um realismo social e político. Embora suas obras possam ser analisadas sob essa perspectiva, quando dizemos realismo nos referimos à linguagem e acontecimentos que refletem o que de fato sucedia nas ruas, na confrontação diária entre os indivíduos e seu espaço.

A cultura pop norte-americana, que influenciou a vida do literato, também se faz muito presente em seus livros e filmes. O bom e velho rock ‘and’ roll, além de referências cinematográficas americanas tem o seu lugar. O que, no entanto, gerou uma série de críticas por conta desse estrangeirismo em seus trabalhos.

Mala onda é, sem dúvidas, o romance que revela a maior quantidade de elementos da literatura desenvolvida por Fuguet. O antigo nome do romance faz referência aos personagens do coiote e papa-léguas, em que o primeiro nunca alcança o segundo. Talvez essa seja a história do protagonista, tentar alcançar algo que, na verdade, nunca poderá atingir. Um quadro tão profundo que nem mesmo a queda da ditadura poderia mudar.

Publicado por

Mateus Sacoman

Professor universitário, historiador e músico.

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