Até hoje é comum encontrar pessoas que tenham uma ideia de inferno baseada na primeira parte do poema A Divina Comédia, com o nome não menos surpreendente de Inferno, do escritor florentino Dante Alighieri e nunca se deu conta disso.
O motivo para isso não é tão difícil de entender e está centrado em questões como a difusão das informações da obra ao longo dos séculos, com pequenas distorções, como sempre acontece e pela falta de interesse da grande maioria das pessoas ao receber uma informação como verdade, sem buscar a sua origem e se questionar sobre ela.
A obra máxima de Dante, que viveu entre 1265 e 1321, é divida em três partes, Inferno, como já citado, Purgatório e Paraíso. Foram escritas em períodos diferentes entre os anos de 1304 e 1321. Com um caráter épico e teleológico a obra nos revela muito do pensamento medieval sobre a ideia tanto da constituição de céu e inferno, como de suas respectivas localizações, conforme a imagem abaixo:
Basicamente, o livro é um poema de caráter narrativo que conta uma viagem ou odisseia do personagem principal, Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, guiado pelo poeta romano Virgílio, nas duas primeiras partes e por Beatriz, na etapa do céu, revelando-nos detalhadamente a constituição e características desses lugares.
Segundo Andrade e Costa a obra contém traços mitológicos de civilizações antigas que fizeram parte das reformulações de corpo de conceitos praticados pela Igreja, na busca de mais fiéis. “O conceito de inferno cristão é associado ao mundo dos mortos da civilização grega, também conhecido como Hades, mais propriamente a parte denominada Tártaro.”
Portanto é importante levar em consideração que conceito de inferno trabalhado pelo cristianismo, principalmente entre os séculos XI e XIII, fazia parte do cotidiano de Dante. Conceito este, retratado como um lugar repleto de demônios, almas perdidas pelos mais diversos motivos, onde há sempre muita violência punitiva e fogo ardente.
Com suaves alterações, sem desconsiderar os conteúdos bíblicos, essa ideia permanece atualmente no imaginário popular, religioso ou não. É comum dizer que pessoas não batizadas, pagãs, gananciosos, luxuriosos, violentos, traidores vão para o inferno e todos esses indivíduos estão presentes na obra de Dante em seus respectivos círculos (locais) no inferno. Logicamente, todo o ensinamento presente na bíblia contribui para essas imagens, mas algumas características “dantescas” de locais e personagens são facilmente encontradas.
Mas o foco aqui é alertar para a quantidade de história, estórias, ideias e pensamentos presentes em nosso tempo, difundidos pela literatura ou linguagem oral, de muitos séculos atrás e que raramente nos perguntamos: “de onde veio isso?“; “Por que é dessa forma que pensamos determinada coisa?“. Passamos a aceitar informações e perdemos a oportunidade, neste caso, de adentrar no mundo dos livros e aprender, se divertir e refletir.
A discussão sobre as influências que a imagem de inferno sofreu, por livros, pela bíblia, obras teológicos, etc., é uma discussão longa e não é essa a intenção. Mas sim tentar aguçar um pouquinho nossa parte questionadora e curiosa que nos levará, indubitavelmente, para a prática da leitura e em um mergulho na história. E essas duas ações, unidas, contribuem para nosso desenvolvimento enquanto homens e cidadãos na intenção de construir um mundo melhor.