O Centro Editor e os estudos africanos — Parte II

No texto anterior, fizemos uma breve introdução sobre a importância do Centro Editor de América Latina na produção e divulgação dos textos e trabalhos sobre o continente africano na Argentina, principalmente os de caráter revolucionário e ideologias de esquerda.

Conforme nos indica Luis Beltrán, globalmente falando, o processo de incorporação da África Subsaariana e da América nas produções textuais à nova ordem mundial “euro-hegemônica” se desenvolveu de forma forçada e mediatizadamente, como simples suplementos dos impérios europeus.

No século XVI se produziu uma espécie de triangulação pela qual estavam vinculados o centro imperial e as periferias do comércio escravista (África) e da exploração colonial (América). E assim se seguiu até o século XIX quando as nações americanas se tornam independentes e as africanas passam a ser ocupadas colonialmente até os anos de 1960–1970, processo denominado de Neocolonialismo.

Se os principais tópicos durantes os séculos XVI-XIX centravam-se no tráfico negreiro e a escravidão ibero-americana, no século XIX com a proibição do primeiro e a abolição da segunda, além da reorganização das relações hierarquizadas norte-sul, isolaram-se ambas até o que o Beltrán chama de “tímido reinício” dos contatos com as independências subsaarianas.¹

Com a descolonização a partir do final da Segunda Guerra Mundial, novas perspectivas analíticas começam a se desenvolver e na Argentina, esses trabalhos começam a ganhar espaço através das publicações desenvolvidas pelo CEAL.

Para além dos estudos já relatados no texto anterior. Vela de Ríos continua com seu protagonismo ao publicar em 1972 o texto “Àfrica, de la liberación al presente” na inclopédia “En Transformaciones. Enciclopedia de los grandes fenómenos de nuestro tiempo”.

A coleção alcançou os 110 títulos e abarcou temas como a tortura, os intelectuais, a condição das mulheres e até mesmo análises psicológicas. Participaram dela grandes nomes como María Rosa Neufeld e Néstor García Canclini.

Já a coleção “Capítulo universal. La historia de la literatura mundial”, em seu número 78 abordou a literatura africana de autoria de escritores negros, magistralmente desenvolvido por Estela dos Santos, entre outros.

Já na coleção “Historia del movimiento obrero” duas obras de Marta Cavilliotti foram editas: “África del Norte: liberación nacional y movimiento obrero” e “África Negra: movimiento obrero y liberación nacional del Sahara al Zambezi”.

Na compilação “En Transformaciones del Tercer Mundo”, centrando-se em publicações com temáticas sobre a Asia, África e América Latina, o livro “Asia y África contra el colonialismo”, de Diana Guerrero e Conrado Ceretti, além de “El presente de África”, de Carlos Martínez.

Entre tantas outras coleções desenvolvidas podemos encontrar outros livros de María Elena Vela de Ríos, principalmente “La revolución africana” de 1970. De Miguel Ángel Palermo temos “Trabajos en metal”, “Arte popular africano” e “Arte popular africano. La escultura” que renderam um tomo sobre as artes populares africanas.

En 1971, Vela de Ríos, sem dúvida uma das maiores estudiosas argentina sobre a África, publicou “Lumumba” em que analisa a vida de Patrice Lumumba — um dos maiores expoentes congoleses contra o Neocolonialismo que mais tarde se tornou político. A autora ainda publicou uma biografia sobre Macolm X e em 1973 a obra “La rebelión de los Mau-Mau” e “La batalla de Argel”.

1. Cf. BELTRÁN, Luis. Consideraciones sobre los estudios afroamericanos y africanos en Iberoamérica. In: LECHINI, Gladys (comp.). Los estudios afroamericanos y africanos en América Latina — Herencia, presencia y visiones del otro. Buenos Aires: Consejo Latino Americano de Ciencias Sociales (Clacso), 2008, p.411.

Publicidade

O Centro Editor e os estudos africanos

A importância cultural do Centro Editor de América Latina como difusor cultural dentro da Argentina e América Latina é reconhecida por todos os estudiosos da literatura e analistas sociais que se propuseram a desenvolver pesquisas e trabalhos sobre a editora. Entretanto, nem sempre a sua atuação difusora das temáticas sobre as africanidades é destacada.

Desde 1966, quando Boris Spivacow funda o centro de editoração, uma das pautas de discussão entre os intelectuais que constituíram o grupo de apoio a ele nessa empreitada era a de incentivar e divulgar estudos africanos e afro-americanos na Argentina. Muitos acadêmicos são enfáticos ao relatar que o CEAL foi pioneiro nessa tarefa tão importante para a literatura platina.

É preciso ressaltar que a narrativa até aquele momento, segundo a estudiosa Matínez-Echazábal, era predominantemente branca e não valorizava a mestiçagem ou os negros. Pode-se compreender tal ação principalmente devido a busca da construção de um passado legitimador para se pensar a nação Argentina após sua independência, valorizando assim uma literatura, acadêmica ou não, branca.

Embora seja importante lembrar que não devemos pensar a produção dos textos durante esse período como um bloco único, principalmente pelos diferentes contextos históricos em que essas reflexões foram desenvolvidas.

A coleção Siglomundo — La historia documental del siglo XX, desenvolvida pelo Centro e que teve sua circulação proibida pela ditadura de Juan Carlos Onganía através da Ley Nacional 17.401 em 1969, já trazia textos que abordavam conteúdos relacionados à África.

Norberto Vilar publicou dois escritos, sendo o primeiro “África ocupada”, e o segundo “África colonizada”, com um material ilustrado sobre a guerra da Etiópia. Carlos Martínez também contribuiu ao desenvolver “África: independencia y neocolonialismo”, debatendo questões de um contexto ainda muito recente.

Depois desta publicação, surgiram muitas outras como a coleção “Biblioteca fundamental del hombre moderno” que foi dirigida por Beatriz Sarlo desde 1971 e alcançou os 109 títulos. Sobre questões africanas podemos encontrar um texto de Francisco Ferrara que deu origem à obra “Asia y África: de la liberación nacional al socialismo”, María Elena Vela de Ríos também produziu “África, botín del hombre blanco” em 1972 e outra compilação de textos que o mesmo Ferrara elaborou com o nome de “Revolucionarios de tres mundos”, com colaborações também de Vela de Ríos, Noel Barbú e Carlos María Gutiérrez.

A coleção citada acima também trabalhou como a revolução mexicana, a revolução russa, movimento operário, política e sociedade com textos mais voltados para a ideologia esquerdista, embora nem todas as obras carregassem esse caráter.

Na próxima semana, continuaremos comentando um pouco sobre algumas publicações que abordaram a temática africana e afro-americana, principalmente durante a década de 1970 e a as importantes contribuições de María Elena Vela de Ríos que prosseguiu trabalhando com o enfoque das africanidades.