Segredos da sociedade chilena, Oír su Voz de Fontaine

Seguindo nossa linha de análises sobre a nova literatura chilena dos anos de 1990, Arturo Fontaine Talavera, nascido em Santiago, no ano de 1952 é uma das figuras mais representativas do grupo, atuando como escritor de romances, ensaios e poesia.

Fontaine nasceu em uma família intimamente ligada à literatura e o jornalismo, sua mãe era a poeta Valentina Talavera Balmaceda e seu pai, além de embaixador, foi diretor do jornal El Mercúrio.

Estudou direito na PUC de Santiago, onde também cursou simultaneamente o curso de Filosofia e participou do Centro de Estudios Públicos, fundação sem fins lucrativos que tinha o intuito de investigar e divulgar estudos sobre a sociedade chilena, dando suporte aos pesquisadores.

O escritor publicou muitas obras de sucesso, mas especialmente em Oír su Voz de 1992, demonstrou uma habilidade imensa ao transferir elementos da realidade de seu país para o romance. A trama revela a história de um jornalista, Pelayo Fernández e tem como pano de fundo a ditadura de Pinochet, o imenso poder dos militares e a política econômica neoliberal que conduziu o país à crise.

Sustentada por valores elitistas que destruiam qualquer possibilidade de avanço do país, Fontaine desenvolveu uma espécie de radiografia multifacetada sobre o aquilo que lhe parecia ser o fracasso de um país hipócrita, onde a lei não funcionava com a mesma intensidade para todos, assemelhando-se ao panorama exposto por Vargas Llosa em Conversación en la Catedral, embora os livros sejam completamente diversos em seus elementos narrativos e de enredo.

Não por acaso, o escritor peruano relatou na contra capa da edição de 2003 pela Alfaguara que a obra Oír su Voz “era um romance ambicioso e profundo que percorria todos os segredos da sociedade chilena da década de 1980”, ou seja, passagens, interlocuções que pareciam revelar as atitudes de homens de poder, ou não, nas sombras.

Enquanto obra crítica do regime militar, o romance estabelece um quadro social, político e econômico onde em meio a uma grande crise econômica os grupos mais abastados continuam enriquecendo e as relações sociais parecem estar limitadas pelo poder do militarismo que rondava todos os cantos.

“Cuando llegaron los milicos no me desagradó a mí. Para qué le voy a decir una cosa por otra. Porque con el caballero ése, que tuvimos antes, no había cómo parar la olla. Sobraba la plata y no había productos en los supermercados. Ahora los escaparates están abarrotados y no tenemos plata. ¿Total? la misma cosa para nosotros, señor. El pobre siempre se jode. La plata se la llevan los de arriba, haya el sistema que haya. Para mí, señor, que a estos caballeros de gorra les queda poco…” (Fontaine 1992, p.367)

A realidade apresentada na obra, parte desde uma perspectiva privada, mas que nos revela o transcurso social do período do enredo. O personagem do livro é contratado para trabalhar em uma emissora, cujos donos são ricos empresários, intimamente ligados ao governo militar e sua política econômica, revelando desde a vida do jornalista as contradições do ambiente chileno, assim como suas próprias contradições.

O enredo realista da obra convida o leitor a uma reflexão, sem, no entanto, problematizar sistematicamente o contexto do país, ou seja, não há discussões veladas sobre os prós e contras da política econômica do país ou da atuação governamental, mas temos relatos, situações e diálogos — muitos deles, verídicos — que contribuem para a construção de um raciocínio crítico.

Assim sendo, temos mais um romance capaz de dialogar com as análises acadêmicas sobre o período, com um realismo que se comunica objetivamente com o discurso histórico, mas que logicamente parte de um lugar. Seria bobagem pensar que o escritor assume uma voz coletiva e representativa de todo o Chile.

Há ideologias, opiniões e verdades que são ditas a partir de uma posição e opinião pessoal ou de um grupo, mas isso não desvaloriza jamais a contribuição que um romance realista pode proporcionar para o entendimento de nossa sociedade.

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