Esquerda e direita: autoanalisar para agir

A Revolução Francesa, em 1789, com seus ideais de “liberdade, igualde e fraternidade” nos legou uma divisão diametral do universo político: direita e esquerda. Apoiadores do rei à direita do presidente da Assembleia Nacional e defensores da revolução à esquerda.

Porém, no mundo atual, diversificado e interligado, é preciso uma reavaliação da compreensão de esquerda e direita, assim como do seu funcionamento. Essa demanda, já há algum tempo vem rendendo bons frutos, porém é um poço de água que nunca finda.

Há intelectuais que insistem que esse espectro político não é mais útil. Para outros, entretanto, há raízes profundas, mas que produzem conjuntos variados dentro dessa classificação tão tradicional, ou seja, não há apenas uma direita e uma esquerda, mas multíplices. Um “terceiro termo”, como dizia Marcel Gauchet também não está excluído, temos, então, o chamado centro (que nem sempre é constante).

Para além de trabalharmos as numerosas definições, exclusões e complementariedades dos conceitos neste pequeno texto, a intenção é intuir que esquerda e direita precisam ser reanalisadas levando-se em consideração as diversas culturas políticas existentes em cada comunidade. Se essas são múltiplas, há, portanto, múltiplas formas de pensar dentro da esquerda e direita. Para então, a partir daí, entenderem qual o papel a ser desempenhado em benefício da população.

Contudo, as raízes profundas podem ser vislumbradas nos temas igualdade/desigualdade, inclusão/exclusão, liberdade/limitação, mudança/permanência, pois são constâncias no cerne de debates sobre a definição do papel dos “lados políticos”.

Um dos principais dificultadores dessa questão é que os elementos citados acima são concebidos de formas diferentes pelos mais distintos grupos, em contextos e localidades díspares. Por exemplo, a definição de igualdade para você pode não ser a mesma para um indígena no norte do país ou para uma mulher islandesa. Norberto Bobbio já nos indicou: “Igualdade sim, mas entre quem, em relação a que e com base em quais critérios?”.

Não é um tópico simples e não será resolvido aqui. Todavia, uma das muitas chaves para o entendimento desse emaranhado político é voltar-se aos específicos contextos e, com isso, às necessidades elencadas por cada povo a seu próprio lugar. Esquerda, direita, centro, reconfiguram-se a todo o momento. As culturas políticas são enriquecidas e ressiginificadas, do individual penetra-se ao coletivo. As faces políticas precisam responder às novas pautas que surgem a cada dia.

O entendimento de que não devem se anular, mas coexistir, ainda mais em um contexto democrático, é um ponto de partida essencial. Tal como fez Ernst Jünger ao comparar esquerda e direita às partes do corpo, citando o exemplo das mãos. “Ambas são indispensáveis. É óbvio que cada uma delas existe em função da outra. Deste ponto de vista, portanto, direita e esquerda são igualmente necessárias”.

Deixando um pouco de lado a contenda intelectual, talvez, para países em que a política passe por momentos de descrença, seja importante que os partidos, independente da ideologia seguida, comecem a entender que não há problemas exclusivos da esquerda, centro ou direita, mas obstáculos comuns que precisam ser superados de formas democráticas.

O que, obviamente, diferirá é a forma de lidar com as dificuldades e a maneira de agir para que elas sejam resolvidas, mas não é possível virar as costas. A busca de uma sociedade mais estável deve ser constante e está relacionada a um entendimento de humanidade.

É preciso garantir oportunidades para que o indivíduo, independente do seu gênero, desenvolva-se através dos mais variados meios buscando como finalidade uma configuração com menos violência e corrupção, com um sistema de saúde e educação desenvolvidos, além de uma economia fortalecida que propicie renda capaz de satisfazer as necessidades substanciais. Assegurando, também, margem para que os seres humanos busquem alterar o seu arquétipo de vida, se assim desejarem.

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Política no Brasil: cataclismo distorcivo coletivo

Corrupção, segundo o mais tradicional dicionário on-line da Língua Portuguesa*, é o ato ou efeito de corromper ou de se corromper. Pode significar também o comportamento desonesto, fraudulento ou ilegal que implica a troca de dinheiro, valores ou serviços em proveito próprio. Ou, ainda, degradação moral.

Porém, há um significado mais antigo, voltado para os aspectos da deterioração física de uma substância ou matéria orgânica que basicamente indicamos por apodrecimento ou putrefação. Embora as definições apresentadas inicialmente pareçam mais compatíveis com a atualidade da política brasileira, a acepção citada neste parágrafo é a que nos seduz.

Sim, a sociedade brasileira, no campo político, está anômica e apodrecendo pouco a pouco. Um processo iniciado há muitos séculos atrás, é verdade. Dizer que os políticos são todos corruptos e que estamos atolados em uma lama praticamente impossível de sair já não assusta mais.

Porém, a sociedade brasileira não vive um contexto à parte. Estamos enlameados, patinando e cavando um buraco cada vez mais fundo. Nas apreciações desenvolvidas sobre os aspectos políticos da terra da ibirapitanga é lugar comum criticar nossos governantes, imputando-lhes todos os tipos de adjetivos e indecências, mas excluindo o “povo” como se não fossemos merecedores de tais elogios.

Até quando as velhas máximas aparecem: “somos nós que os colocamos lá”, a análise parece desconectada de que o país, em muitos cenários, é deteriorado. Não são somente os estadistas, somos nós, indivíduos no pleno gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre, mas não livre dos desarranjos, desmandos e desvirtudes.

Se o nosso contexto político vai mal, então vamos todos mal. Assim, se é necessário tornar a política mais limpa, embora manchas sempre hão de aparecer, precisamos nos desinfetar primeiro. É indispensável nos reconhecer dentro da política. Somos integralmente conectados a ela em um processo eterno de reciprocidade.

O brasileiro precisa reflexionar em termos de cultura política, ou seja, um conjunto de atitudes, valores, normas e crenças que são compartilhados por uma determinada sociedade, que obviamente inclui as instituições políticas, mas não somente os tópicos relacionados a ela. Talvez aí resida o ponto chave da mudança tão procurada.

Em meio a esse cataclismo distorcivo coletivo, ou seja, imersos nesse desastre social que se deforma e desvirtua-se, é preciso uma transmutação de nossas atitudes cotidianas viciadas, deturpadas, contaminadas pelo monstro da corrupção. Antes de mudar os rumos da política no Brasil, precisamos mudar a nós mesmos. Ou agimos assim, ou daqui a cem anos ainda estaremos letárgicos.

* “Corrupção”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/corrup%C3%A7%C3%A3o [consultado em 10-03-2018].