Saint-Domingue e a esperança desvanecida

“Esperança aos marginalizados”! Assim, muitos historiadores relataram o processo de abolição da escravidão e independência do Haiti, comumente conhecido como Revolta de São Domingo ou Revolução Haitiana entre os anos de 1791 a 1804.

Em termos teóricos, para muitos pesquisadores, é um grande exemplo do que de fato o conceito de revolução significa em seu sentido mais puro: algo abrupto e intenso que leva a uma mudança em larga escala em áreas como a política, sociedade e economia.

Em termos práticos, o atroz movimento na colônia francesa de Saint-Domingue precisa ser analisado de forma mais aprofundada, principalmente em razão daqueles que defendem uma linha de continuidade às brutais estruturas sociais que vigoravam sob a governança francesa.

Por muito tempo, a também intitulada Revolução dos Escravos, foi disseminada como um bastião da luta pela liberdade dos povos africanos escravizados na América e, além disso, tida como bem-sucedida por parte da historiografia, instigou ainda processos de independência em toda a América Latina.

Não nos resta dúvida que tamanho evento gerou um sentimento de expectação em populações que sofriam os abusos da exploração colonial, influenciando uma série de pensadores e movimento ao longo do tempo. Pode-se falar o mesmo sob a perspectiva metropolitana, ou seja, o processo revoltoso gerou uma inquietação nas elites governantes de toda a América e temor de que ações semelhantes irrompessem em outras áreas.

No Brasil, a Revolta dos Malês de 1835 na cidade de Salvador, na Bahia, é um exemplo do temor de que os escravos negros de origem islâmica em solo baiano desembocasse em uma conjunta semelhante à haitiana. Embora, exista uma contestação dessa temeridade por determinados historiadores, a repressão não tardou e em menos de um dia as ações foram contidas e as punições foram extremamente severas.

Voltando ao Haiti, o herói da revolução François Toussaint, filho de africano, que havia conseguido sua alforria em 1776 e liderou muitos movimentos militares rumo à abolição da escravidão, após as primeiras etapas do conflito, se autoproclamou em 1801 governador-geral vitalício, precisou negociar com Napoleão a manutenção da abolição, acabando preso e falecendo na prisão.

A independência conquistada em 1804 após muito sangue e destruição conferiu esperança aos grupos marginalizados de outrora. Porém, divisões políticas intensas, as cisões sociais, a transitoriedade entre a rigidez produtiva, distribuição de terra aos desfavorecidos e latifúndios minou esse entusiasmo pouco a pouco.

Os arquétipos do período colonial, muito bem enraizados, foram difíceis de talhar. O poder continuou alijando a massa populacional, mantendo uma elite no comando. As reparações aos escravocratas por terem perdidos suas “propriedades” desfortunou o país e as tentativas de combater o isolamento político e econômico não resultaram em mudanças substanciais.

Publicado por

Mateus Sacoman

Professor universitário, historiador e músico.

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