Morir en Berlín o Santiago?

Escritor do célebre livro Morir en Berlín e participante da Nueva Narrativa Chilena de 1990, embora tenha começado a publicar textos desde os anos de 1970, Carlos Cerda nasceu em Santiago, capital do Chile, no ano de 1942 e faleceu em outubro de 2001.

Graduou-se em Filosofia pela Universidad de Chile e anos depois, doutorou-se na Universidad Humboldt de Berlin, na Alemanha, para onde se exilou, fugindo do regime militar chileno, instituído com o golpe de 1973. Antes, porém, permaneceu alguns anos na Colômbia.

Sua estadia em terras alemãs, no lado oriental, foi muito frutífera para sua carreira como literato e também dramaturgo. Lá, criou personagens e situações intimamente ligadas ao país europeu e tornou-se um escritor reconhecido mundialmente.

Em 1993, após voltar ao Chile, Cerda escreveu o romance Morir en Berlín, o mais elogiado livro em toda sua longa carreira de ensaios, peças teatrais e ficções.

A experiência do exílio influenciou diretamente a trama da obra. Os personagens, em sua maioria, são chilenos que viviam na Alemanha e dividiam seus anseios, conflitos e histórias em uma terra de cotidianos estranhamentos, por suas diferenças culturais como a língua e comida, por exemplo.

Comunista, Cerda era contra o regime militar e, sob um outro ponto de vista, podemos entender seu romance como uma epígrafe póstuma de duplo sentido, relacionada tanto à queda da ditadura, quanto à queda do muro de Berlim.

A vasta gama de personagens pode ser compreendida também como pluralidade de vozes que representariam diferentes partes de um contexto, portanto partindo do individual para nos revelar algo maior e coletivo.

Diferentemente do que alguns analistas costumam afirmar, o romance não é uma visão de chilenos exilados na Europa e suas opiniões sobre o contexto mundial do período (ditadura, guerra fria, etc.), mas uma visão muito particular de um escritor que passou por essa experiência e conheceu pessoas nessa mesma situação, usando seus perfis e histórias reais para criar uma ficção pautada na realidade.

Para além de destacar personagens principais, a obra manifesta personagens coletivos, como La Oficina, agência presidida por don Carlos que auxiliava os exilados chilenos, servindo aos seus interesses, mas sem se esquecer das leis da Alemanha Oriental.

Deste modo, La Oficina parece muito mais controlar e burocratizar todo o processo de ambientação dos chilenos no país europeu, do que propriamente ajudar. Permissões de entrada e saída, permissão para divorciar-se, entre outras situações, transformaram o órgão em algo controlador e invasivo, agindo diretamente na vida do exilados.

Suas vidas pareciam não ter nenhuma consideração, estavam imersas em um jogo de interesses políticos e sociais. Eram vistas apenas como uma aglomeração de estrangeiros em um gueto, suas individualidades jamais tinham voz ativa.

As dolorosas experiências retratadas no texto, como a necessidade de abandonar a luta contra a ditadura em seu país de origem, a convivência difícil e, em muitos casos, a inadaptação ao novo país, são fatos de um processo que se aproximam do luto, gerando um sentimento de remorso nos expatriados.

Esses demônios — ou seja, esses fatos do passado — se exorcizam apenas quando subtraídos da memória e colocados no papel. Retratados às claras, em um livro, podem ser enfrentados e conjurados.

No fim, já não parece haver diferença entre ambos os lados divididos pelo oceano Atlântico. Se no Chile as liberdades estavam cerceadas, na Alemanha Oriental igualmente. As quedas do regime ditatorial e do muro de Berlim finalizaram contextos, mas internamente as memórias permaneceram. Morrer em Berlim ou em Santiago, na verdade, já não fazia diferença.

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