Escritores engajados x presidentes nervosos: Vargas Llosa e Evo Morales

Não há prova maior da importância dos intelectuais da literatura para a vida política dos países quando encontramos as seguintes manchetes: “Evo Morales diz que Vargas Llosa irá a Bolívia para criticar seu governo” e “Evo Morales, nervioso por la visita de Vargas Llosa a Bolivia”. Por que deveria um presidente de um país, tamanho o seu posto, se preocupar tanto com um simples escritor que visitará sua nação?

Tudo começou com o anúncio de que Mario Vargas Llosa, entre os dias 22 e 28 de janeiro deste ano, fará uma visita à Bolívia para realizar conferências. Visitará também Santa Cruz e as missões jesuítas.

Em discurso para alguns petroleiros, Evo disse: “Tenho informação de que nos próximos dias chegará Vargas Llosa a Santa Cruz, como sempre para falar contra Evo, contra nós, contra o governo, contra a Bolívia“.

O escritor peruano visita o país a pedido da Fundación Nueva Democracia e se reunirá com o governador de Santa Cruz, o opositor Rubén Costas, que provavelmente será candidato nas próximas eleições presidenciais contra Evo.

Vargas Llosa constantemente critica o governo boliviano por suas ações autoritárias e antidemocráticas. Como bem costuma dizer, países como a Bolívia, Venezuela, Nicarágua são semidemocracias infectadas de populismo e autoritarismo. Mas todos sabem que o abandono do socialismo e o comunismo pelo escritor é o que ainda incomoda a esquerda latino-americana.

O peruano sempre defendeu que os escritores devem se engajar através da literatura e participar dos grandes debates de sua sociedade. No entanto, quando os governos não asseguram a liberdade para que os literatos se expressem e implementam ações ferrenhas, é quase impossível existir engajamento.

Sem liberdade e democracia, uma literatura que possa ser utilizada para algo a mais do que simplesmente entreter, fica impossibilitada de agir com maior eficácia. Em algumas ditaduras, como as da América Latina no século XX, através das ficções, romances, ensaios, foi possível passar pela barreira militar e alertar os leitores para as mazelas das sociedades.

Mas há países em que a perseguição aos escritores se torna maçante e nem mesmo os romances conseguem romper o bloqueio da censura. Com o mundo globalizado e a internet, ficou mais fácil que os literatos se manifestem sobre a política, a economia, os problemas sociais, ainda que estejam em exílio.

A verdade é que desde o aparecimento da literatura como um campo autônomo em 1850 e o desenvolvimento dos intelectuais desde o caso Dreyfus, os literatos alicerçaram passo a passo, através de seus romances, poemas ou simples pensamentos a possibilidade de suas opiniões serem consideradas pela mídia, governos ou cidadãos.

É de extrema importância que escritor engajado atue na sociedade, usando seu prestígio como escritor para interver nos problemas sociais.

Além de a literatura proporcionar excelentes livros, que nos ajudam a compreender momentos importantes da nossa história, ela colabora também para que intelectuais responsáveis para com suas sociedades e com suas nações consigam espaço para se comunicar, oferecendo soluções para os nossos problemas ou contribuindo no debate intelectual na tentativa de solver nossas mazelas.

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