Docente da UniFAI lança segundo livro sobre escritor peruano Mario Vargas Llosa

O professor dos cursos de História e Pedagogia do Centro Universitário de Adamantina (UniFAI), Mateus Barroso Sacoman, lançou para venda, no último dia 15, um livro de atualização da pesquisa de mestrado sobre o escritor e intelectual peruano Mario Vargas Llosa. A primeira edição havia sido publicada em 2016.

Disponível no site da Editora Alexa Cultural (www.alexaloja.com) e nas grandes livrarias do país, a obra “As transfigurações da sociedade peruana e a distorção convulsiva de Mario Vargas Llosa: uma análise das décadas de 1950 e 1960” pode ser adquirida no formato impresso ou digital.

Segunda obra publicada por Mateus Sacoman sobre escritor peruano possui informações atualizadas e mais completas em relação à anterior

Conforme detalha o autor, o livro analisa os primeiros romances de Llosa e a conexão que estabelecem com o contexto das décadas de 1950 e 1960 no Peru.

“Especialmente, verificando os impactos culturais, sociais e econômicos com a chegada de um grande número de migrantes da região da serra para costa, principalmente na cidade de Lima. O livro aborda, ainda, uma análise mais aprofundada em relação a uma possível reconfiguração ou transformação do conceito e da forma de se entender quem são os criollos e sua cultura naquele contexto”, explica.

O professor comenta sobre as vantagens do segundo livro a respeito de Llosa: “Esta obra traz informações atualizadas e mais completas em relação à anterior. Além disso, é muito mais acessível ao público brasileiro, principalmente quanto ao preço”.

A obra também é abrilhantada com o prefácio do Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro, do Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), grande amigo e orientador da pesquisa de mestrado do autor.

De acordo com Sacoman, no segundo semestre há previsão de projeto para a publicação de um livro, provavelmente pela mesma editora, com textos sobre História, conectados às habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “O objetivo é auxiliar os professores da Educação Básica em seu trabalho na sala de aula”, finaliza.

por Priscila Caldeira – UniFAI

Quimeras literárias, realidades urdidas

Roda, pólvora, telescópio, prensa de Gutenberg, lâmpada, telefone, televisão, radar, satélite e internet. Todas são, reconhecidamente, grandes invenções da humanidade, transformaram a vida de nossas sociedades de maneira singular e, provavelmente, em uma lista com os grandes inventos da história, ocupariam lugar cativo para a maioria das pessoas.

Porém, maior das invenções, mas nem sempre recordada, é a Literatura. Épica, lírica ou dramática, como especificavam os filósofos da Grécia antiga, ficcionais ou realistas, a arte de compor e expor os escritos nos faz atingir veredas inimagináveis com diretrizes infinitas.

Através dela, simplesmente tudo é possível. Até mesmo o que ainda não existe, as criativas mentes inventivas dos literatos são capazes de gerar. E para aquilo que posto está, pode-se recriar ou recontar. Já o que escondido fica, deliberadamente ou não, as Letras podem, nem sempre de forma axiomática, desvelar.

A Literatura, ocasionalmente, ludibria, mas sempre há verdade por trás das mentiras. Contudo, não mente como a gente quando quer enganar alguém. Ela invenciona, enreda, trama. Nela, “mendaci ne verum quidem dicenti creditur” não tem vez porque até mesmo o mentiroso revela o oculto com veracidade.

É caso dos romances desenvolvidos na América Latina principalmente nas décadas marcadas pela rigidez das ditaduras militares. Nesse período, a ideia de que a função mais importante da literatura, ainda que contasse com elementos de ficção, era documentar e eternizar a verdadeira vida foi consolidada.

Revelar a sociedade ocultada e dissimulada pelos governos e as elites políticas era algo primordial. Oferecia-se uma oportunidade de cavar até as entranhas desses regimes e apresentá-las de modo matizado, na tentativa de escapar às garras da censura e, ao mesmo tempo, despertar os cidadãos para a cruel verdade.

Como Vargas Llosa demonstra no livro de Claudio Magris: “uma sociedade impregnada de literatura é mais difícil de manipular desde o poder e de submeter e enganar, porque esse espírito de desassossego o qual desenvolvemos depois de enfrentarmos a uma grande obra literária, cria cidadãos críticos, independentes e mais livres do que aqueles que não vivem essa experiência”¹.

De todas as criações humanas, sem dúvida, a construção das realidades pela Literatura é uma engenhosidade extraordinária. As quimeras literárias, entendendo-as aqui como fantasias e ilusões criadas pelos literatos, ajudam-nos a compreender os caminhos e decisões que nossas sociedades desenvolvem.

Através dessas verdades fugidias conhecemos uma parte importante da totalidade de nossa realidade, escancarando erros e incertezas, mas acima de tudo, oportunizando a mudança e o aperfeiçoamento de nossos modos de viver e pensar.

¹ VARGAS LLOSA, Mario. Los vasos comunicantes: novela y sociedad. In: MAGRIS, Claudio; VARGAS LLOSA, Mario. La literatura es mi venganza. Barcelona: Seix Barral, 2011, p. 25–26.

A crítica literária e o surgimento dos intelectuais literários na América Latina

Na América Latina o florescimento dos intelectuais da literatura aconteceu por volta da década de 1950. Isso porque a atividade literária e a intervenção intelectual pareciam estar interligadas. Na verdade, desde o final do século XIX até a metade do século XX, é possível afirmar que muitos dos que se entendiam como intelectuais eram originários da literatura, expressando-se através dos romances, ensaios, poesias, etc.

Sem dúvidas, segundo Gonzalo Aguilar, o termo “intelectual da literatura” designa àquele que exercia originalmente a atividade como crítico literário e que aos poucos se projetou como figura pública, aproveitando-se do seu reconhecimento literários e da sua capacidade para interpretar com um “método e um arsenal conceitual sofisticado” os textos e dar a eles uma significação política, cultural e social.

Com o passar dos anos, esses críticos literários e também literatos que não necessariamente exerciam atividade crítica interviram e opinaram em assuntos importantes para as suas sociedades, principalmente pelo fato, confirmado por escritores do boom latino-americano, dos governos ditatoriais na realidade latino-americana não censurarem com veemência os romances.

Possibilitando, portanto, que estes tratassem de temas “impensáveis” dentro do contexto militar e alertassem os cidadãos através das tramas.

Aguilar, afirma mais uma vez, que este tipo de intelectual é, na verdade, resultante de uma junção de fatores que surgiram no século XX, entre eles a consolidação e modernização das universidades enquanto criadoras de um saber humanístico; o crescimento do mercado dos bens simbólicos; um maior acesso à leitura; o surgimento de uma disciplina específica da crítica literária e, principalmente o protagonismo crescente que desempenharam as ficções narrativas na busca por uma definição da identidade latino-americana.

Atualmente muito se fala sobre uma crise da crítica literária, mas esse é um outro tema. Na verdade, importante é destacar que por tantos anos esses indivíduos — Borges, Ángel Rama, Alejo Carpentier, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Ángel Rodríguez Rea, Miguel Oviedo, etc. — se preocuparam e contribuíram para suas respectivas sociedades enquanto formadores de opiniões.

Sem dúvidas, a crítica literária ocupou nas décadas de 1950 e 1960 uma singular posição de influência, possibilitando reflexões críticas, contribuindo para a formação de cidadãos responsáveis, através também, da literatura.

Romances para entender a realidade, Vargas Llosa

Como Vargas Llosa costumeiramente enfatiza, os entendidos de realidade não são os acadêmicos, nem os jornalistas, que elaboram textos e pesquisas sobre a realidade de nossas sociedades. Quem, na verdade, entende de nossa realidade são os sonhadores, assim nomeava os literatos.

Quando os romances realmente são efetivos e se constituem verdadeiras formas para alimentar a insatisfação dos seres humanos, nos subjugam e nos extraem de nossas vidas, repletas de caos e confusão, fazendo-nos viver a experiência mágica da leitura de uma ficção como uma realidade.

Não por acaso, muitos pesquisadores — historiadores, sociólogos, etc. — dedicam-se, nas últimas décadas, a estudar romances e escritores para trabalhar com temas que buscam compreender determinada época ou acontecimento em diversos países.

Logicamente, os romances realistas possibilitam um trabalho mais aprofundado, pois lidam em seus enredos com questões que dominam os debates em nossas sociedades, ou como pano de fundo ou delatadas em suas superfícies. Além disso, possibilitam compreender a visão dos literatos, expressa nas entrelinhas dos textos.

Segundo o escritor peruano, através da experiência de contato com um romance realista, voltamos ao mundo com uma sensibilidade muito aguçada, penetrante, para compreender de forma mais ampla tudo aquilo que nos rodeia, para enxergar mais claramente as imposições e hierarquias entre o que é importante e o que de fato não é relevante, mantendo-nos sempre com uma atitude crítica.

Mesmo que o modos operandi da escrita do romance apresente um leque de opções, constantemente é possível ver nas intervenções atuais do escritor a vontade de avistar novos literatos que se preocupem com o mundo em que vivem, cooperando para que o campo literário venha a se enriquecer e possa contribuir para a sociedade, de uma forma ou de outra, atuando de fato através dos textos.

Dentro deste quadro, para que a literatura possa efetivamente contribuir para analisar a realidade, Vargas Llosa enxerga a necessidade de que os literatos continuem se engajando, refletindo e questionando, à luz dos mais diversos pontos de vistas políticos, norteados sempre pelo pensamento do que é escrever e, de modo impreterível, o porquê de se escrever e a importância da função de escritor; superando a barreira individual, de apenas cumprir um desejo pessoal.

Vargas Llosa e sua distorção convulsiva da realidade

Os romances marcam parte importante da trajetória do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Através dos enredos destas ficções o literato atuava na sociedade peruana, manifestando suas concepções sobre os grandes problemas de sua nação.

Pensando sobre o processo de escrita desses romances, após longos estudos para minha pesquisa de mestrado, conclui que é possível nomeá-lo com a terminologia “distorção convulsiva da realidade” da qual Vargas Llosa fala.

A “distorção” está relacionada com a ficção, pois a “mentira” aparece, mas sempre baseada na vivência do peruano, muito próximo da realidade, tornando-se, então, uma manifestação da vida.

Já a palavra “convulsiva” é usada porque se torna uma espécie de apocalipse, uma violenta agitação dentro de um conjunto de elementos reais (àqueles que podemos encontrar em nosso cotidiano), mas de forma que os enriqueça, ainda que venha a deformá-los. Por exemplo, contanto uma história fictícia para chamar a atenção dos leitores sobre algum problema social.

Inseridas neste contexto de seu primeiro entendimento estão as obras Los Jefes (1959), La ciudad e los perros (1962), La Casa Verde (1965), Los Cachorros (1967) e Conversación en la Catedral (1969). São textos denominados por vários críticos literários de “novela total”.

Isto porque apresentam panoramas de momentos conturbados e crises da realidade de seu país. Assim, as tramas deveriam tentar açambarcar praticamente todos os elementos da realidade, representando-os da forma mais total possível, diferentemente da sua visão a partir de 1970.

Embora possamos demarcar duas concepções, o escritor manteve ao longo de sua carreira a postura de engajamento. A tese central permaneceu a mesma, isto é, seus romances deveriam contribuir de alguma forma para alertar seus leitores sobre os problemas da realidade.

Ou seja, suas obras continuaram como um espaço para se engajar e exercer a intelectualidade que teria mudanças em relação ao seu fazer, mas que continuaria revelando o comprometimento e a responsabilidade do literato com seu tempo.

Vasos comunicantes e caixa chinesa

Costumeiramente se diz que “um romancista não vive sem técnicas narrativas”. O que de fato é verdade e bem lógico, afinal, ao colocar suas ideias no papel ele presumivelmente estará aplicando algum tipo de técnica para se fazer entender.

É também uma ação estratégia para enfatizar ou não algum ponto, tema, diálogo, ritmo, entre tantos outros, dentro de uma obra. Por exemplo, um escritor pode empregar algumas técnicas que sugerirão um ritmo veloz à história

>As técnicas narrativas não são usadas apenas por grandes escritores de romance, mas vamos nos ater especificamente a esse tipo de literato. E falar em grandes romancistas atualmente é falar de nomes como o do escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Segundo Jorge Ninapayta, um importante analista das obras do literato, as técnicas utilizadas por Vargas Llosa são de extrema importância, pois constituem um elemento de funcionalidade em suas obras, com a intenção de diminuir a distância entre o leitor e a narração.

E assim, cria principalmente em suas primeiras obras do final dos anos de 1950 e as de 1960, um narrador cuja presença não é percebida, levando o leitor a adentrar na história e ser envolvido nas situações enfrentadas pelos personagens.

Como o título deste texto sugere, algumas das técnicas mais usadas pelo romancista peruano e que ganharam notoriedade em suas primeiras obras são os “vasos comunicantes” e a “caixa chinesa“.

Em seu livro chamado La novela, Vargas Llosa nos indica que os vasos comunicantes são na verdade uma associação dentro de uma unidade narrativa de acontecimentos, situações, temas, personagens, que acontecem em tempos e lugares diferentes. Dessa forma, o escritor associa ou funde esses acontecimentos, personagens, etc.

Agrupando tudo isso em apenas uma realidade narrativa, cada situação revelam suas tensões, suas emoções. Dessa fusão emerge uma nova experiência que vai lançar um elemento perturbador, inquietante que dará uma aparência de vida.

Pode parecer complicado lendo as palavras do escritor, mas não é, na verdade essa técnica consiste em intercalar as histórias, sem contá-las por inteiro, vão se misturando, ritmando a leitura. Não há o regrado “início, meio e fim” em conjunto, começa-se a contar uma situação aqui e sem finalizá-la, já inicia uma nova situação, em outro lugar, outra região e assim por diante, interpondo os fatos contados.

O livro A Casa Verde é uma excelente indicação de leitura para quem deseja conhecer melhor essa técnica.

As cajas chinas têm sua origem nas tão conhecidas caixinhas chinesas. Ao abri-las, sempre encontramos uma caixinha menor, outra menor e assim por diante. Ou então as chamadas matrioskas, bonequinhas russas colocadas uma dentro das outras.

Essa técnica, segundo Vargas Llosa consiste em introduzir intermediários entre o leitor e a narração, e estes vão produzindo transformações, surgindo novas experiências e tensões para que o leitor esteja sempre dentro do feitiço necessário para a plena realização de um romance na mente do leitor.

Ou seja, há uma história dentro da outra, sendo a posterior subordinada à primeira, mantendo uma relação dependente e enriquecedora, pois a totalidade do romance se engrandece com a soma das histórias. Conversa na Catedral é outro bom exemplo para verificar essa técnica.

Mario Vargas Llosa é reconhecidamente um dos gênios do romance atual. As técnicas apresentadas aqui não são as únicas utilizadas pelo escritor, aliás, já em suas obras do início dos anos de 1970 uma série de modificações vão surgindo no modo em como o escritor narra seus romances, por exemplo, uma maior presença de humor e participação do narrador durante a história, ações que não aconteciam anteriormente, principalmente esta última.

Enfim, conhecer as técnicas que um autor usa em seus textos podem aguçar nossa vontade de ler, buscar novas aspirações no mundo literário e, além disso, aumenta a nossa compreensão e ajuda-nos a desvendar as intenções de um escritor.

Nunca li Paolo Guerrero. Ah, do futebol? Pensei que estávamos falando de literatura!

Desde o final do ano passado não é raro ler artigos em jornais e site peruanos, alguns até de grandes intelectuais, discutindo a substituição de Vargas Llosa pelo jogador de futebol Paolo Guerrero, como a maior figura peruana de representação mundial.

Não se trata aqui de abrir um debate e julgar que estão substituindo um literato por um jogador de futebol. Isso envolve questões culturais, apelo de mídia, paixão popular e, até certo ponto, o alcance das obras literárias, se estas conseguem atingir ou não todos os grupos sociais, pelo preço dos livros, interesse pela literatura, se há fomento desta nas escolas, etc.

No entanto, o que pode parecer um assunto sem sentido, nos revela alguns pontos interessantes para uma discussão que pode ser ampliada na busca de uma tentativa de compreensão sobre traços e características sociais.

Quando Vargas Llosa recebeu o prêmio Nobel de literatura em 2010 na Suécia, muitos telões estavam espalhados pela capital, Lima, para acompanhar a cerimônia de entrega. Grandes lojas transmitiam em suas vitrines o evento. Vargas Llosa era de certa forma o orgulho nacional.

De certa forma, porque é evidente que os grupos de esquerda no país não se identificam de maneira alguma com o escritor e dizem, em alto e bom tom, que este não representa o Peru em nenhum aspecto e é um traidor.

Mas essa rusga é antiga, desde quando Vargas Llosa rompeu com a esquerda devido à falta de liberdade propiciada pelo regime cubano, juntamente pelo apoio de Cuba a Rússia na invasão da Tchecoslováquia em 1968 e o caso Padilla, do qual já falamos em outra oportunidade.

Em dezembro de 2012, muitos telões espalhados pela cidade limenha. A tradicional Calle de las Pizzas estava tomada por pessoas que paravam para assistir Paolo Guerrero se tornando campeão mundial de futebol do Torneio Interclubes da FIFA. Foi recebido com gigantesca festa no aeroporto, quando esteve em férias no país. Todos queriam tocar Guerrero.

Antes mesmo do título, em outubro do mesmo ano, quando visitei o Peru, era comum os taxistas de Lima, ao saber minha nacionalidade, dizer que o jogador da moda era Paolo Guerrero. Mas nessa época, ainda era fácil encontrar comentários sobre Vargas Llosa.

Nas feirinhas de artesanato, no hotel, nos centros de lojas, quando me perguntavam o motivo da visita ao Peru e dizia sobre a minha pesquisa, muitos comentavam: “é um autor muito conhecido mundialmente por seus romances“. Embora eu tivesse a impressão de que nem todos tiveram a oportunidade de ler seus livros.

Em uma ocasião recente — Hay Festival, evento literário em Cartagena, Índia — quando questionado pela Gazeta Esportiva.net, o Nobel da Literatura falou sobre o tema:

“Nunca li Pablo Guerrero. Ah, do futebol? Pensei que estávamos falando de literatura… Paolo Guerrero é um grande jogador de futebol, mas vivemos em uma época justamente da civilização do espetáculo. Os grandes esportistas se converteram nos heróis que no passado eram os grandes pensadores, os escritores, os grandes teólogos, os grandes pastores.

Hoje em dia, não, são os futebolistas. Gosto muito de futebol, mas digamos que não podemos colocar na mesma categoria o futebol e a literatura. Cada um tem um espaço, e nesse espaço você pode os admirar muito, mas não os confundir. Essa falta de discriminação é o que resulta na degradação e na perversão da cultura do nosso tempo.”

Vargas Llosa é um fã assumido de futebol. Torcedor do Universitário de Lima e fã do Real Madrid, por sua ligação com a Espanha, admirou grandes jogadores peruanos das décadas de 1950 e 1960. O clube peruanolhe rendeu homenagem, após o Nobel.

No ano de 2011, foi ovacionado por mais de 60 mil torcedores do Universitário em pleno Estádio Nacional de Lima após receber o título de “sócio honorário”. O Real Madrid também já o homenageou. Foi convidado a dar o pontapé inicial da partida entre o time merengue e o Valência.

É algo comum, os norte-americanos idolatram seus campeões. Nós, brasileiros, também idolatramos e o mesmo acontece com todos os outros países. Mas, Vargas Llosa quer alertar também para não nos prendermos em idolatrias, comemorações por campeonatos esportivos e nos esquecermos de todo o resto, principalmente porque o futebol já foi e ainda é muito usado para esconder os problemas sociais, políticos e econômicos.

Quando fala em civilização do espetáculo, título de um dos seus mais recentes livros, o escritor nos atenta que o mundo passou a se preocupar muito mais com o “espetáculo”, com o divertimento, com aquilo que dá audiência, que vende muito; deixando de lado a reflexão, a opinião, a contestação. Responsabiliza a mídia, mas também a nós.

O que, talvez, o escritor queira ressaltar, é a importância da literatura como veículo de alerta para as mazelas da sociedade, corrupção, falta de liberdade, desigualdade social, racismo, etc.

E a importância que lhe deveria ser atribuída, principalmente, aproximá-la de todas as pessoas, independente de suas rendas, raça e formação acadêmica. Não é propriamente uma crítica ou julgamento ao povo peruano que idolatra seus ídolos esportivos, ao invés de idolatrar intelectuais. Longe disso…

“Os que sabem fazer gols e maravilhas no campo de futebol são pessoas a quem se deve admirar, sem nenhuma dúvida, mas não se pode admirá-los da mesma maneira de que admiramos um grande filósofo, um grande pensador, que enriquecem extraordinariamente a cultura do mundo, algo que tem uma grande importância na vida de uma sociedade. Um senhor que sabe meter gols maravilhosamente não é isso.”

O romance político se perdeu?

Alguns romances latino-americanos ganharam notoriedade, principalmente entre os anos de 1940 e fins de 1970, por seu caráter político e abordagem de temas-problemas da sociedade em que viviam, como a corrupção, desigualdade social, racismo, autoritarismo, criminalidade, entre tantos outros.

Escritores realistas buscaram energia de suas experiências negativas e de variadas formas representaram toda a problemática de suas sociedades, partindo das dificuldades vivenciadas e em busca de soluções ou, ao menos, de levar o leitor, o cidadão a refletir um pouco sobre o desajustado mundo ao seu redor. Até mesmo escritores do chamado Realismo Mágico, conseguiram tanger a superfície do político-social em suas obras.

Há quem diga que esse tipo de literatura já morreu há algumas décadas, há quem diga que já não precisamos mais dela e outros que se sentem completamente vazios pela falta dessa abordagem e das reflexões instigadas por ela.

Escritores de nossa região que vivenciaram e participaram do boom latinoamericano, caso de Vargas Llosa, García Márquez, Júlio Cortázar e Carlos Fuentes — estes dois últimos já falecidos — demonstravam em seus textos, narrativas muito atreladas às questões sociais, políticas, morais, cotidianas.

Alguns com um caráter mais urbano, de representação das classes médias, outros um caráter mais afastado dos grandes centros urbanos ou selvático, caracterizando personagens de grupos mais humildes. Mas todos, cada um a sua maneira, nos davam um panorama político-social de sua época através das crenças, condutas, expectativas individuais ou de um grupo, características psicológicas, sociais, étnicas e culturas, além do ambiente político.

Quase todos os escritores desse grupo concordam que a Literatura, os romances, cumpriam uma função muito maior do que apenas servir de entretenimento. Ajudavam a entender as descompensações sociais, estimulavam a compreensão do leitor que algo estava errado, tirando-os da inércia diante de tanto corrupção, pobreza e desigualdade.

Mas o que mudou agora? Nossa sociedade já não precisa mais desse tipo de Literatura? Embora os escritores do boom continuem escrevendo com todo o engajamento que tinham décadas atrás, os novos romancistas se preocupam mais em entreter para ser um sucesso mercadológico, servir mais de autoajuda para os problemas pessoais do que instigar o leitor a reagir às questões sociais, econômicas, políticas que englobam o seu país?

Mas antes de jogar o peso sobre os novos escritores, precisamos refletir também o total desinteresse pelas questões políticas em nosso tempo. Cada vez mais vemos pessoas se afastarem das questões políticas, da participação ativa por dizer que a política hoje é um ambiente muito sujo e fazem questão de não se envolver, de não procurarem entender um pouco de economia, políticas sociais, etc.

Ora, para quê então escrever romances políticos se não haverá leitores para eles? É outro ponto para uma reflexão mais clara.

Há algumas respostas mais claras para as indagações do começo do texto. Sim, ainda há romances políticos, mas a maioria são autores que já faziam isso há muito tempo, com raras exceções como o escritor espanhol Javier Cercas. Se ainda precisamos desse tipo de narrativa, se ainda consumiremos esses romances é um ponto chave para o debate.

Não se fez aqui um julgamento de posições, não há como negar o benefício da leitura, mesmo que seja apenas para o entretenimento, mas são questões levantadas para pensar o futuro da Literatura, do romance e quais passos devemos seguir. Não seria melhor ao invés de excluirmos opções, trabalharmos com todas elas? É uma discussão longa, que renderia diversas teses e dissertações e ainda assim não chegaríamos a uma conclusão, mas refletir é preciso.

¿Para qué sirve la literatura?

O título do texto não está em espanhol por acaso. Essa pergunta irritava constantemente Jorge Luis Borges, um dos maiores escritores latino-americanos, ou melhor, do mundo. A esse questionamento, Borges respondia assim: “Para nada, se você pensar qual é a utilidade do canto de um canário ou o brilho de um pôr do sol!“.

A explicação sobre o ponto de vista de Borges por Mario Vargas Llosa nos ajuda a entender melhor essa resposta. Dizia o peruano que em comparação ao canto dos pássaros ou o espetáculo do sol unindo-se ao horizonte, um poema ou romance não estão ali simplesmente fabricados pela natureza, são uma criação humana.

E justamente por isso é interessante que se indague como e por quem foram criados.

Entender-se-ia assim que nasceram de incertezas na intimidade de uma consciência que os escritores foram moldando através do processo de escrita. Formando uma vida artificial, feita de linguagem e imaginação que coexiste com a realidade, principalmente porque a vida que nós, seres humanos, temos não nos basta, não é capaz de responder a todos nossos desejos e anseios.

Um texto literário só passa a existir quando é adotado por seus leitores e passa a fazer parte da vida social, tornando-se uma experiência compartilhada.

Pois bem, é importante entender então que de nada adiantará escrever um livro, independente do gênero, se ele não for lido e essa experiência não for divida com ninguém. Essa é uma das grandes incógnitas dessa equação que é escrever, seja nos meios acadêmicos ou no mercado editorial.

Se encararmos, assim como muitos escritores encaram a literatura e seus textos, como um alimento do espírito crítico das pessoas e uma ferramenta importante para o questionamento das mais diversas sociedades, se ela não alcançar seus leitores falhará nessa empreitada.

E como alcançar então leitores? Não há uma receita, infelizmente. Mas talvez seja uma combinação de uma boa escrita, apoio dos pares, uma editora que tenha visão e se arrisque, entre tantos outros elementos.

Ser um sucesso de vendas oportuniza alcançar mais pessoas, mas até chegar ao sucesso existem percalços. Exemplos não faltam de literatos com uma escrita perfeita, criatividade, domínio da linguagem e do enredo, que nunca se tornaram importantes no meio comercial ou acadêmico.

Quebrando um pouco o protocolo, desviando um pouco do assunto, confesso que isso tem me desanimado constantemente, porque milhões de pessoas no mundo se dedicam arduamente a escrever seus romances, suas pesquisas; se estressam constantemente com a falta de inspiração diária, com a busca da perfeição que nunca vem e nunca são reconhecidas.

Além disso, a questão dos críticos literários e avaliadores é de tirar o sono, porque sob um determinado ponto de vista sua criação é uma imundice e sob outro, é algo digno. Mas enfim…

Escrever sobre a utilidade da literatura é um assunto vasto, não será aqui o esgotamento do tema. E, além disso, há os pontos sobre qual literatura é boa e qual é ruim, mas não resta duvidas de que ela alimenta a inconformidade e instiga o leitor à busca de mudança, seja uma transformação de sua própria vida, da sociedade, do seu modo de pensar, etc.

Mas se partimos do ponto de vista que a literatura sirva para algo, precisa-se pensar, portanto, as formas para que textos e autores, independente de sua fama, chegue aos leitores. Uma obra humana para humanos!

Um pouco sobre a verdade das mentiras — Vargas Llosa

A importância dos romances para se compreender uma época é sempre discutida. Muitos acreditam na viabilidade do uso das ficções como fonte de um determinado período, embora alguns ainda insistam em refutar essa ideia.

Na verdade, o ponto inicial são os tipos de romance, como sempre discutimos nos textos desta coluna. Obras realistas, engajadas, que trabalhem com temas políticos, sociais e culturais são extremamente úteis e enriquecedoras para a compreensão de uma sociedade. Esses romances não são confeccionados simplesmente para contar histórias da vida, mas sim para transformá-las, como bem diz Vargas Llosa.

Ainda assim, esses romances são ficção e como tal, há mentiras nas verdades do enredo. Pode-se pensar nos textos ficcionais como uma espécie de simulacro da vida real, mas que reflete a existência e as questões de nosso mundo, por exemplo, contextos como crises políticas e sociais, ditaduras, etc.

Por ser uma trama, os romances tem um início e fim, por mais que se formem trilogias. Esses textos nos fornecem uma perspectiva que a vida verdadeira que vivemos cotidianamente, nem sempre nos pode fornecer ou até nos nega. Através da ficção podemos nos atentar e refletir sobre questões importantes que nos atingem. Essa mentira pode nos ajudar a entender o real que está ao nosso redor.

Na perspectiva vargasllosiana a recomposição do passado nas obras literária é quase sempre falaz, mas ressalto o sentido de ardilosa (astúcia) e não somente de enganadora. É fato que a verdade literária é uma e a verdade histórica é outra.

No entanto, ainda que esteja abarrotada de mentiras a literatura nos fornece uma história que a História (de nós historiadores), não pode fornecer e não tem meios para isso, pensando em seus métodos enquanto ciência.

A verdade literária é um complemento do real. As verdades subjetivas da literatura tornam possível resgatar uma pequena parte da nossa memória, da nossa história. A verdade história é primordial para que lembremos sempre do que fomos e somos.

Já a verdade da literatura pode nos revelar o que quisemos ser e não pudemos; a forma de que poderíamos ter agido, mas não fizemos. Portanto, essa história secreta só a literatura pode constituir, pode nos contar.

Talvez aí resida o fascínio humano pelas ficções mais realistas (àquelas histórias que podemos enxergar muito bem quando saímos à rua, quando visitamos um determinado local), poder viver aquilo que não vivemos, não tivemos coragem ou oportunidade, ou simplesmente “espiar” através das páginas a vida de alguém que colocou em prática tudo aquilo que pudemos.

Assim, a literatura torna-se um questionamento do mundo, é sediciosa, insubmissa e revoltada. Nela vivemos um mundo, não muito longe do nosso, mas em que há a possibilidade de transgredir as leis (e não estou falando do aspecto jurídico) que regem a vida cotidiana. Possibilita-nos, ainda que apenas no instante da leitura, nos libertar do espaço-tempo real.

Por fim, não resta dúvida nenhuma,que a “irrealidade” criada pela literatura, “irrealidade” porque ele bebe da fonte do real,juntamente com as mentiras astuciosas,é um importante meio para conhecermos as verdades penetrantes (e também mentirosas, porque o mundo real está cheio de mentiras) do nosso mundo.

As verdades reveladas pela literatura nem sempre são encantadoras, denunciando uma face perversa dos atos humanos, mas nem por isso falsa.