A importância dos romances para se compreender uma época é sempre discutida. Muitos acreditam na viabilidade do uso das ficções como fonte de um determinado período, embora alguns ainda insistam em refutar essa ideia.
Na verdade, o ponto inicial são os tipos de romance, como sempre discutimos nos textos desta coluna. Obras realistas, engajadas, que trabalhem com temas políticos, sociais e culturais são extremamente úteis e enriquecedoras para a compreensão de uma sociedade. Esses romances não são confeccionados simplesmente para contar histórias da vida, mas sim para transformá-las, como bem diz Vargas Llosa.
Ainda assim, esses romances são ficção e como tal, há mentiras nas verdades do enredo. Pode-se pensar nos textos ficcionais como uma espécie de simulacro da vida real, mas que reflete a existência e as questões de nosso mundo, por exemplo, contextos como crises políticas e sociais, ditaduras, etc.
Por ser uma trama, os romances tem um início e fim, por mais que se formem trilogias. Esses textos nos fornecem uma perspectiva que a vida verdadeira que vivemos cotidianamente, nem sempre nos pode fornecer ou até nos nega. Através da ficção podemos nos atentar e refletir sobre questões importantes que nos atingem. Essa mentira pode nos ajudar a entender o real que está ao nosso redor.
Na perspectiva vargasllosiana a recomposição do passado nas obras literária é quase sempre falaz, mas ressalto o sentido de ardilosa (astúcia) e não somente de enganadora. É fato que a verdade literária é uma e a verdade histórica é outra.
No entanto, ainda que esteja abarrotada de mentiras a literatura nos fornece uma história que a História (de nós historiadores), não pode fornecer e não tem meios para isso, pensando em seus métodos enquanto ciência.
A verdade literária é um complemento do real. As verdades subjetivas da literatura tornam possível resgatar uma pequena parte da nossa memória, da nossa história. A verdade história é primordial para que lembremos sempre do que fomos e somos.
Já a verdade da literatura pode nos revelar o que quisemos ser e não pudemos; a forma de que poderíamos ter agido, mas não fizemos. Portanto, essa história secreta só a literatura pode constituir, pode nos contar.
Talvez aí resida o fascínio humano pelas ficções mais realistas (àquelas histórias que podemos enxergar muito bem quando saímos à rua, quando visitamos um determinado local), poder viver aquilo que não vivemos, não tivemos coragem ou oportunidade, ou simplesmente “espiar” através das páginas a vida de alguém que colocou em prática tudo aquilo que pudemos.
Assim, a literatura torna-se um questionamento do mundo, é sediciosa, insubmissa e revoltada. Nela vivemos um mundo, não muito longe do nosso, mas em que há a possibilidade de transgredir as leis (e não estou falando do aspecto jurídico) que regem a vida cotidiana. Possibilita-nos, ainda que apenas no instante da leitura, nos libertar do espaço-tempo real.
Por fim, não resta dúvida nenhuma,que a “irrealidade” criada pela literatura, “irrealidade” porque ele bebe da fonte do real,juntamente com as mentiras astuciosas,é um importante meio para conhecermos as verdades penetrantes (e também mentirosas, porque o mundo real está cheio de mentiras) do nosso mundo.
As verdades reveladas pela literatura nem sempre são encantadoras, denunciando uma face perversa dos atos humanos, mas nem por isso falsa.