O boom literário latino-americano, o que restou?

Para debater e analisar os alcances e resultantes do boom latino americano, movimento “literário” dos anos de 1960, nesta última semana aconteceu em Madri, Espanha, uma conferência chamada “El canon del boom”.

Além das discussões, o evento prestou homenagem aos escritores do movimento e marcou o quinquagésimo aniversário da publicação de “La ciudad e los perros“, de Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura em 2010, Doutor Honoris Causa pela Universidad Europea de Madrid e um dos principais representantes deste fenômeno literário.

Estiveram presentes ainda os escritores Jorge Eduardo Benavides (Peru), Gonzalo Celorio (México), Gustavo Guerrero (Venezuela) e Fernando Savater (Espanha).

Quatro nacionalidades para discutir um dos mais proeminentes movimentos literários do século passado a partir de quatro perspectivas diferentes, o que trouxe um grandioso enriquecimento às mesas redondas.

Durante seu discurso, Jorge Eduardo Benavides destacou o domínio de Vargas Llosa em criar personagens com que a sociedade se vê, sente, com a possibilidade de identificação: “A transição entre a realidade e a ficção, como se vê em “El Hablador” é surpreendente”.

Gonzalo Celorio salientou que o boom literário não foi somente um fenômeno espontâneo e que não poderia ter ocorrido sem os romancistas que vieram antes deles, ressaltando a importância de outros grupos de escritores, como por exemplo, os indigenistas: “O boom alcançou os desejos literários dos primeiros novelistas latino-americanos: tornaram-se obras universais”.

Já Vargas Llosa disse que o “entusiasmo compartilhado” e a “fraternidade” que uniu os escritores latino-americanos do boom literário não durou mais de dez anos, e que a política foi o que criou uma “enorme divisão” entre os autores partícipes daquela “empresa comum” (como, por exemplo, o caso Padilla e os debates sobre apoio ou não do regime cubano, entre outros problemas de ordem pessoal, como a briga com García Márquez, mas essa vai por minha conta).

Além de relembrar grandes nomes que construíram pouco a pouco a trajetória de sucesso do grupo como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Carlos Fuentes e Alejo Carpentier.

Gustavo Guerrero também explicou como esse gênero evoluiu desde os anos de 1950, de um nacionalismo para uma perspectiva mais global, guiado por escritores que atingiram fama mundial: “O boom literário alcançou os objetivos da antiga linhagem cosmopolita de artistas da América Latina, atingindo reconhecimento internacional.”

Por último, Fernando Savater, espanhol, comentou sobre a influência que o boom exerceu sobre literatura espanhola por “alargar os horizontes narrativos de nossos trabalhos”, em uma situação que foi “sufocante como resultado da repressão franquista”.

Ele também enfatizou a importância da imaginação e do humor, tanto na escrita, quanto no cotidiano, com frases como “A imaginação possibilita a realidade ir mais além. Imaginação é o que existe por trás da realidade”.

Mas por fim, o que restou do boom literário? Como se autodenominou, Vargas Llosa é um dos poucos sobreviventes do grupo que continua a manter os compromissos firmados, uma espécie de contrato moral e intelectual, segundo sua própria visão como escritor.

Na verdade, o que era uma empreitada coletiva, se tornou algo individual, como o próprio escritor relembra, na ideia de união promovida por Carlos Fuentes quando sugeriu que cada um dos autores latino-americanos escrevesse uma novela curta sobre seu ditador correspondente, algo que não veio a acontecer de maneira unida, embora, no fim, cada um tenha feito por sua conta.

Logicamente, mais cedo ou mais tarde, a “família boom literário” haveria de se dissolver, um processo natural, até porque o grupo surgiu num período em que havia “lutas para serem lutadas”, causas específicas de um contexto histórico que jamais se repete.

O que se pode apontar é que talvez tenha acabado antes do que todos gostariam devido às dissonâncias de opinião em relação ao regime de Cuba, quando para alguns, denunciar as mazelas e a falta de liberdade, seria trair o movimento e houveram traições, nesse sentido.

O caso Padilla e o apoio dado à invasão soviética na antiga Iugoslávia pelos cubanos foram catalisadores, acelerando consideravelmente a chama da separação que já existia.

E como todo catalisador, que acelera uma reação e diminui a energia de ativação, o grupo foi se afastando pelas divergência de opiniões e posicionamentos políticos, teve sua energia ceifada. O que restou do boom literário? Seus grandes escritores e suas obras riquíssimas que hão de perdurar, de certa forma, eternamente.

(Contribuíram: Coluna What´s going on da Universidad Europea de Madrid e Infolatam.com.br)

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