Livro de Mario Vargas Llosa traz nas entrelinhas a questão da responsabilidade do intelectual

Após anunciar recentemente a doação de sua biblioteca pessoal com mais de 30 mil títulos para a cidade de Arequipa (Peru), lugar onde nasceu, Mario Vargas Llosa, que completou 76 anos no dia 28 de Março, terá mais um livro lançado neste mês de abril: “La Civilización del Espetáculo” (A Civilização do Espetáculo). O livro foi publicado pela editora espanhola Alfaguata.

O ensaio traz a denuncia do risco de desaparecimento da cultura em nossos dias e do fazer jornalístico, que para o autor é um jornalismo de espetáculo, embora não negue a existência de um jornalismo sério.

Para isso, Vargas Llosa faz uma descrição objetiva e profunda sobre o mundo atual dos males que afetam a sociedade. Segundo o site EUROPA PRESS, o escritor ressalta a crescente banalização da arte e da literatura, o grande êxito do sensacionalismo na imprensa e a inconstância e futilidade da política.

A respeito de estarmos em uma cultura ou civilização do espetáculo, Vargas Llosa disse a coluna de Ricardo Setti, da revista Veja, que

“A impressão que tenho é que não é apenas uma dimensão, mas todo o conjunto da vida em sociedade que está afetada por isso que poderíamos chamar a frivolização, a banalização. A cultura procura hoje, mesmo que não o deixe explícito, sobretudo divertir, entreter. E tradicionalmente não era essa a função da cultura. A cultura tentava responder às grandes perguntas: que fazemos neste mundo? Temos um destino ou não? Somos realmente livres ou somos seres movidos por forças que não controlamos? Toda essa problemática, que era à qual a cultura procurava dar resposta, praticamente se extinguiu hoje em dia, desapareceu”.

Além disso, “o prêmio Nobel de 2010” critica a falta de ação dos intelectuais, principalmente os literatos, que já não acreditam que a Literatura seja uma chave de denúncia e de discussão para intentar soluções, ainda que não as atinja, para os problemas de seu tempo.

“Fazem literatura e aceitam que a literatura tenha um papel modesto dentro da vida da sociedade. E creio que isso também se reflete na pouca ambição exibida por boa parte da literatura de nosso tempo. (…) os escritores de hoje, em grande parte, não escrevem para a eternidade, para sobreviver à morte. Contentam-se com que a literatura cumpra uma função mais ou menos imediata, e seja uma literatura de consumo, no sentido mais explícito da palavra.”

E é justamente baseado no parágrafo anterior que o título deste texto faz sentido. Vargas Llosa, como um escritor e intelectual que já nos anos de 1950 e 1960 abordava os problemas da sociedade peruana e da América Latina em seus romances ficcionais, abomina a “fuga da luta”, se assim posso dizer, dos escritores atuais.

O próprio autor reconhece que nasceu para a literatura numa época em que o não engajamento, o descomprometimento, eram inconcebíveis. Ainda em entrevista a Veja a respeito dos escritores de seu tempo, diz:

“Defendia determinados pontos de vista, criticava outros, mas desta maneira contribuía de algum modo para a vida cívica, a vida social de seu tempo. Essa é uma atitude que hoje parece completamente obsoleta. Os escritores mais jovens não pensam que essa deva ser a função de um escritor.”

O livro em si, não está centrado nesse debate dos intelectuais, mas todos os temas abordados nos levam a essa intensa reflexão sobre o papel do escritor, se é preciso um engajamento político-social ou não.

Logicamente quem busca informações sobre a cultura, política, poder e o jornalismo atual aos olhos de Mario Vargas Llosa, terá subsídios importantes, mas deixar esse questionamento dos intelectuais seria desperdiçar o esforço de uma vida toda de um escritor que assumiu as responsabilidades de contribuir e argüir de alguma forma sobre os temas e problemas presentes em sua sociedade.

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