Recorrente, o tema ditadura sempre aparece em trabalhos acadêmicos ou nas notícias do cotidiano, em jornais, revistas, canais de TV. Para alguns, o tema é um fardo, está desgastado. Mas, na verdade, as experiências das ditaduras na América Latina foram tão profundas que é complicado deixar de escrever ou falar sobre elas, ainda mais quando envolvida na Literatura.
O que tem acontecido mais constantemente são as inserções de novas perspectivas de análises e subtemas. Com recortes mais específicos e temáticas até então pouco trabalhadas. A literatura desse período (décadas de 1960, 1970 e 1980) é constantemente abordada e recebe grande importância como fonte de análise devido às denúncias das mazelas do sistema e categorizações das sociedades durante o período ditatorial.
A geração de escritores, principalmente do final da década de 1950 até 1970, adotavam uma visão literária em que o social prevalecia, de certa forma, sobre o artístico (Arguedas, Mariátegui, Haya de la Torre, Sarmiento, Haroldo Conti, Rodó, Rodolfo Walsh, Padilla, etc.
Alguns desses nomes escreveram com tom crítico sobre suas sociedades sob regimes mais opressores ainda que não houvesse uma ditadura propriamente dita, antes mesmo dos anos de 1950.). Era inconcebível que o escritor separasse o seu trabalho de uma ação, de uma atitude, por muitas vezes, intransigente (não sentido de intolerância), revolucionária perante os militares.
Logicamente, as obras desses períodos, ao menos as que merecem destaque, tinham grande valor artístico, enriqueciam a cultura de seus países. Mas primeiramente, a intenção era a de ser responsável socialmente, buscando apresentar da melhor maneira possível soluções para os problemas de suas nações.
Mas logo uma pergunta aparece em nossas mentes viciadas pelo temor da ditadura: “como esses escritores agiam dessa forma mediante um sistema tão ferrenho e cruel?”. Por incrível que parece, segundo Vargas Llosa em seu livro “La utopía arcaica — José María Arguedas y las ficciones del indigenismo”, esses livros não eram submetidos por controle tão rígido e, com isso, podiam abordar temas impensáveis para jornais e ambientes escolares, acadêmicos.
Os romances, poemas, ensaios dificilmente eram censurados e um dos motivos, segundo o autor peruano, era o grande número de analfabetos nos países latino-americanos, onde os próprios governantes exibiam uma densa ignorância.
Aí reside a importância dos mais diversos gêneros literários do período, estes passaram a ser estudados por outras disciplinas como um meio de investigação da realidade e instrumento de crítica e agitação perante as ditaduras.
Vargas Llosa é taxativo ao escrever que as descrições mais acertadas dos problemas da América Latina durante esse período estão presentes na Literatura, ainda que nas ficções e que, graças à ação desses escritores, as inequidades do continente foram documentadas. Cumpriram a função de informar e para usar uma expressão de Stendhall ao definir os romances, “foram os espelhos pelos quais os latino-americanos podiam ver seus rostos”.
Por fim, fica nítido que a função da literatura foi também documentar a verdadeira vida, a realidade das nações encobertas pelos governos e as elites políticas, rebatendo muitas das vezes a versão oficial que era dada sobre os fatos, revelando a verdade.
Nesse período, o literato substituiu o acadêmico, o periodista, todos censurados. Descrevendo os males da realidade e prescrevendo as soluções, desbaratando as mentiras oficiais e realçando as verdades, a Literatura carregou consigo a função de protestar e prognosticar a mudança necessária na direção política dos países ditatoriais, colocando-se a serviço de um ideal cívico, democrático.