Nem o Carnaval escapou

O carnaval é, definitivamente, uma das maiores festas populares no Brasil e que apresenta nuances pautadas em regionalismos, religiões, entre tantos outros aspectos culturais. Mas mesmo uma festividade tão grande quanto essa não foi capaz de escapar das garras da ditadura militar no Brasil.

Obviamente, quando se trata de um regime político como esse, o que mais se espera é a falta de liberdade com a intromissão governamental nas diferentes áreas da sociedade, visando combater qualquer tipo de objeções e hostilidades que venham a enfraquecer a imagem e o poder desse modelo administrativo.

Principalmente depois do Ato Institucional Número Cinco, instituído em 1968 no governo do general Costa e Silva, letras de músicas, peças de teatro, novelas, filmes, e até mesmo os sambas enredos de carnaval, obrigatoriamente passavam pela “dissecação” dos censores, para posteriormente serem liberados, quase sempre com ressalvas, ou proibidos de vez.

Geralmente em grandes centros, como é o caso do Rio de Janeiro, desde pequenos blocos de foliões até as gigantescas escolas de samba precisavam apresentar extensos portfólios com explicações minuciosamente detalhadas do que pretendiam apresentar ao público. Até mesmo os ensaios das agremiações chegaram a ser monitorados.

O historiador Luiz Antônio Simas, em seu livro “Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos”, relata que o enredo “Heróis da Liberdade” desenvolvido pelo Império Serrano em 1969 precisou receber alterações na música. A palavra “revolução” foi modificada para “evolução”.

Já no ano de 1974, a Unidos de Vila Isabel, foi obrigada a alterar seu enredo que pretendia enaltecer os índios Carajás e reprovar a ideia de progresso a qualquer custo. O tema chocava com a ideia governamental de avanço, tão caro ao período denominado de “Milagre econômico”. O samba foi criado por Martinho da Vila, mas acabou embargado da disputa para desfilar na avenida.

Dessa forma, a apresentação acabou se transformando em uma exaltação à construção da rodovia Transamazônica, que até hoje permanece incompleta, sem pavimentação em diversos trechos, principalmente no Norte do país. Àquela obra era símbolo da grandiosidade pretendida pelos militares, mas jamais alcançada.

Ainda assim, através das muitas artimanhas e dispositivos que os compositores musicais da época tão bem conceberam, o carnaval resistiu e insurgiu-se contra a ditadura através das metáforas que os agentes militares não conseguiram compreender, mas que o povo cantou:

“Um sorriso sem fúria entre o réu e o juiz; A clemência e a ternura por amor da clausura; A prisão sem tortura, inocência feliz; Ai meu Deus; Falso sonho que eu sonhava” (Sonho de um sonho, Martinho da Vila, 1980).

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Publicado por

Mateus Sacoman

Professor universitário, historiador e músico.

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