Albert Camus e Jean-Paul Sartre foram grandes amigos. Embora se conhecessem através dos livros, o encontro aconteceu por volta de 1941 quando ambos estavam engajados na Resistência Francesa, um movimento de ações, ideias, debates, durante a Segunda Guerra Mundial que visava combater os países do Eixo e seus apoiadores, voltando-se contra o poder nazista, o racismo e a ditadura na França.
Sartre já havia escrito anos antes um ensaio para elogiar a obra O Estrangeiro de Camus e este, em 1938, havia resenhado para um jornal argelino o livro Náusea, de Sartre. Finalmente se conheceram em uma festa, na pré-estréia de Les Mouches, primeira peça de Sartre. Os laços foram fortalecidos, ao menos nos primeiros anos, pela crença no socialismo, comunismo e no compromisso dos escritores em praticar uma literatura engajada.
No entanto, em 1951, Camus escreveu um ensaio chamado O Homem Revoltado, em que citava e reflexionava sobre as manchas, mazelas e chagas das revoltas e revoluções em diferentes períodos, incluindo a Revolução Russa.
Camus não poupou críticas ao Stalinismo, em relação à falta de garantia de liberdades universais. Para ele, a revolução era uma espécie degradação dos movimentos de revolta por buscar algo que ainda estava por vir e que de fato não existia.
Entretanto, para se sair vitoriosa, a revolução precisaria se tornar totalitária, praticando assim o que conhecemos de “justificação dos meios pelos fins”. Diante disso, na visão do escritor, a URSS havia se transformado em um império e legitimava ações como, por exemplo, o assassinato em massa.
“Para combater o mal, o revoltado, já que se julga inocente, renuncia ao bem e gera novamente o mal“.
O impacto de seu ensaio foi gigantesco entre os intelectuais socialistas. Era preciso dar uma resposta à altura. E assim foi decidido, através da revista Les Temps Moderns, fundada na França por Sartre, Merleau-Ponty, Raymond Aron, Simone de Beauvoir, entre outros.
Sartre, de antemão, recusou-se a escrever tal crítica alegando questões de amizade. A tarefa ficou a cargo de Francis Jeanson que publicou em maio de 1952 o texto Albert Camus ou a alma rebelde, criticando duramente o texto de Camus e sua postura.
A contra-resposta de Camus não tardou a vir e foi tão forte quanto a crítica. Sartre, então, respondeu as insinuações direcionadas a ele, principalmente por ser diretor da revista e saiu também em defesa, de certa forma, da opinião compartilhada por alguns que nela escreviam. Começou ali o fim de algo tão grande, que talvez não tenha acabado.
Isso porque mesmo em meio às desavenças ideológicas, como as críticas de Camus ao engajamento e também à inércia dos intelectuais de esquerda frente às ações “ditatoriais” do socialismo, ambos jamais deixaram de citar um ao outro, de se lerem e respeitarem mutuamente.
Dizia Sartre em sua última entrevista, a Simone de Beauvoir:
“(…) no início; durante um ano ou dois tudo transcorreu bastante bem. Ele era engraçado, extremamente grosseiro, mas muitas vezes muito engraçado (…) o artigo foi publicado, mas em condições especiais: Jeanson concordara em mostrar seu artigo a Camus — foi a única restrição que aceitou — antes que fosse publicado, perguntando-lhe se estava de acordo. Camus ficou furioso e redigiu um artigo onde me chamava: Senhor Diretor — o que era cômico, porque não nos tuteávamos, mas nos falávamos bastante livremente, não havia “senhor” entre nós. Então, fiz um artigo para responder às suas insinuações; Camus falava pouco de Jeanson em seu artigo, atribuía-me todas as ideias de Jeanson, como se tivesse sido eu que houvesse escrito seu artigo; respondi-lhe duramente e aí cessaram nossas relações; conservei simpatia por ele, embora sua política nada tivesse a ver comigo, entre outras coisas, sua atitude durante a guerra da Argélia.”
Muitos estudiosos do “conflito entre amigos” relatam que no fim, as desavenças pareciam evidenciar que, enquanto Camus se mantinha em silêncio frente às ações do Neocolonialismo e suas atrocidades, como as da França para com a Argélia — que Sartre tanto criticava –, este último parecia não ouvir as denúncias das ações repressoras dos soviéticos, como por exemplo, os campos forçados de trabalho.
No fim, o que restou é a sensação de que, mesmo com a ruptura, a relação entre Camus e Sartre continuou a ser muito frutífera, principalmente no ponto de vista da riqueza dos embates intelectuais em que estavam imersos e que muitas vezes, diretamente ou não, se respondiam, contribuindo para a diversidade de opiniões dentro de seus respectivos pensamentos e crenças.
“Ele foi meu último bom amigo”, Sartre.