Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir são figuras ímpares. O pensamento de ambos marcou o século XX de tal forma que, para compreendê-lo a partir de uma perspectiva multidisciplinar, é imprescindível conhecer os textos dessas duas grandes figuras intelectuais, tanto por suas obras literárias e filosóficas, quanto por suas histórias de vida. Ambos conseguiram ser premiados com o Nobel de Literatura.
Os dois escritores se conheceram em 1928 na Universidade de Paris, quando Sartre se preparava pela segunda vez para tentar ingressar no mestrado em Filosofia. Simone era namorada de seu amigo René Maheu. Em 1929, o casal, ainda não unido, conseguiu aprovação para iniciar os estudos de pós-graduação.
O tempo passou e tornaram-se muito próximos. Havia muito mais do que literatura e filosofia naquela relação. Simone revisava e debatia os textos que Sartre escrevia. Este lia, relia e opinava sobres os textos de sua parceira.
A sintonia do casal era escancarada, tanto nas questões intelectuais, quanto amorosa e sexuais. Há quem os demarque como existencialistas, mas Sartre não concordava muito com essa possibilidade.
As cartas trocadas revelavam seus pontos de vista filosóficos e literários, aventuras amorosas, conteúdos repletos de sensualidade, revelando-nos assim um relacionamento excêntrico. Nunca se casaram, mas viveram uma conexão muito forte e respeito mútuo dentro de suas concepções. Sim, eram uma casal, mas não nos moldes tradicionais.
Não havia mentira ali. Ambos eram livres para ter relações com outras pessoas e ambos comunicavam isso. A união não os impedia de se relacionar amorosamente com outros, mas era preciso comunicar. Aliás, era comum o casal viajar com seus respectivos amantes.
Outro laço de união era a questão do engajamento. Ambos faziam uso de seus textos literários como oportunidades para alertar seus leitores para as mazelas de sua sociedade: injustiças, preconceitos, violência. Posicionaram-se à esquerda quando a Segunda Guerra Mundial acabou e a Guerra Fria se iniciou.
Empreitaram-se na fundação da conhecida revista Le Temps Modernes e no jornal libertário Libértacion. E jamais deixaram de defender a liberdade, segundo as suas concepções, embora nem sempre partissem de um mesmo ponto e chegassem a conclusões diferentes.
Talvez a obra que mais presente os anos de união seja A cerimônia do adeus, obra publicada por Simone de Beauvoir, depois da morte de Sartre. Nele, a escritora conta os últimos anos de Sartre, baseados em conversas com amigos, em um diário da própria autora e entrevista com o escritor.
O tom do texto é de admiração e de um sentimento de vazio. Beauvoir relata a importância de Sartre para a humanidade, escreve sobre o seu cotidiano, das coisas mais simples às complexas.
Conta-nos também o fim do intelectual, como foi perdendo sua vitalidade, morrendo pouco a pouco. Por fim, comenta sobre o episódio de seu funeral, que atraiu mais de 50 mil pessoas em 19 de abril de 1980. Encerrava-se ali mais de 50 anos de relação.
A morte de Sartre foi um duro golpe, muito contam até hoje que a escritora tentou se deitar em baixo dos lençóis, ao lado do corpo do escritor no hospital. Restou a ela escrever:
“Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo.”
Em 14 de abril de 1986, Simone de Beauvoir faleceu devido a uma pneumonia em Paris, com 78 anos de idade. Foi sepultada no mesmo túmulo de Jean-Paul Sartre no Cemitério de Montparnasse, na mesma cidade.
Do casal, restou-nos, e ainda bem, seus pensamentos, textos filosóficos, romances, entrevistas, ensaios, e uma história de vida. Elementos que resistiram à virada do século e alimentam nossas mentes até hoje.