Ao longo dos últimos anos os escritos desta coluna sobre História e Literatura abordaram diversos aspectos sobre a importância dos textos literários para a humanidade. Como denúncia das ditaduras, fontes históricas de diversos períodos, formação de opinião, conscientização, entretenimento, debates intelectuais, etc.
Ainda hoje, é possível encontrar estudiosos e intelectuais que garantam que a Literatura não tem grande contribuição, principalmente como resultante política e coletiva, porque dificilmente um romance irá incitar seus leitores, por exemplo, a irem até as ruas para protestar, ou seja, não enxergam um efeito prático, ainda que o romance tenha um caráter político ou realista-social.
Outros escritores ressaltam que a literatura age no subconsciente dos leitores, levando-os a questionar os mais variados assuntos decisivos para a sua vida, “acordando-o” para a realidade, alertando que algo está errado em sua sociedade. Agindo, portanto, de forma individual.
Não resta dúvida de que esses posicionamentos são muito relevantes em um debate primordial como o da contribuição da literatura para nossas vidas, mas algo que intelectual nenhum questiona é, na realidade palpável ou não, a importância da literatura enquanto peça-chave para a educação e a construção de um mundo melhor.
Mas ela não mudará o mundo por si só. É preciso leitores, pessoas entusiasmadas com a leitura, que não se contentam com a passividade da sociedade com coisas pré-estabelecidas e que se tornaram verdades concretas porque nunca foram questionadas. Pessoas capazes de entender as mensagens transmitidas aos longos dos séculos. Passa-las à frente, pensar, reformular, transformar em ações.
No entanto, o ponto crucial para a existência de leitores é a construção destes. É preciso começar desde a base da formação intelectual e social dos indivíduos. E esse papel cabe aos pais e aos educadores das pré-escolas, do ensino fundamental.
O prazer pela leitura será desenvolvido, portanto, na aprendizagem da criança, mediada pelo adulto, conforme indica Lev Vygotsky com o conceito de ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), quando a criança ainda não é capaz de realizar uma atividade plenamente, mas com o suporte do adulto, é capaz de aprender aos poucos até desenvolvê-la em definitivo. Começando pela leitura e exposição dos livros para os pequeninos.
É comprovado, segundo estudos da Drª. Bridget K. Hamre, da Universidade da Virgínia que, mais do que a habilidade e a formação dos professores na pré-escola, o fator mais importante é a interação dos educadores com as crianças, contribuindo imensamente no processo de ensino.
E é nessa interação que os livros precisam estar, desde pequenos, o simples contato com o papel, com o cheiro do livro já contribui para desenvolver uma vontade de praticar a leitura. E assim sucessivamente, respeitando as etapas do desenvolvimento cognitivo da criança, estabelecidas por Jean Piaget, para que se possam desenvolver atividades desde o manuseio do livro, as primeiras palavras, até leituras mais acuradas.
Esse processo de amadurecimento do prazer pela leitura e consequentemente pela literatura, deve ser permeado pela afetividade, mas não estou falando aqui somente de amor e carinho, mas sim de estímulos positivos que geram uma reação nas crianças, como gera em qualquer ser humano.
Levando em consideração a teoria do desenvolvimento de Henri Wallon, em que a afetividade e inteligência se alternam e se progridem.
Durante o processo de alfabetização e posteriormente, com a leitura e interpretação de textos, as crianças encontrarão percalços, errarão muito e precisam receber afeto nesse processo para que a literatura, mais à frente, não se torne algo indesejado e árduo, encarada apenas como uma obrigação escolar, impossibilitando que a literatura possa exercer um papel transformador na vida do indivíduo e do mundo.
Indubitavelmente, são as crianças que, instigadas pelos adultos, se tornarão as questionadoras do futuro, impulsionadas pela literatura, acadêmica ou não. Que tentarão construir um mundo melhor, nos mais diversos âmbitos (político, culturais, sociais, etc.) e permitirão, assim, que a literatura possa agir sobre elas.