A Nueva Narrativa chilena dos anos de 1990

Grupo de literatos e intelectuais chilenos que passaram a ganhar notoriedade mundial na década de 1990, a Nueva Narrativa (Nova Narrativa) trouxe à tona textos heterogêneos que romperam com a tradição do realismo mágico e da romance tradicional do século XIX.

Em poucas palavras, o Realismo mágico apoia-se em elementos de fantasia ou irreais ao desenvolver enredos perfeitamente reais e cotidianos, obteve grande destaque no século XX na América Latina, principalmente com o mexicano Gabriel García Márquez, ganhador do Prêmio Nobel em 1982.

Já o romance tradicional, ou o Nouveau roman, também desenvolvido no século XX, se contrapõe ao romance tradicional do século XIX, em relação à forma de contar e de evolucionar os textos.

O sentimento geral dos escritores é que os novos romances não precisam seguir uma regra fixa, devendo demonstrar claramente o perfil dos personagens, um enredo, um começo, um meio e um fim. Seu principal representante é o francês Alain Robbe-Grillet. Receberam também muita influência de SartreCamus.

Segundo José Leandro Urbina, se pensarmos em uma perspectiva geracional, é impossível demarcar os integrantes do grupo por seu nascimento e influência.

Logicamente, isso gera uma perspectiva heterogênea, mas apesar de toda essa diversidade em suas preocupações sobre o que seus romances deveriam representar e as variedades de espaço do universo narrativo, possuem características comuns como: aproximar-se do discurso social e logo diluí-lo na trama dos romances e contos, associando-se à características do pós-modernismo literário. A ditadura militar chilena impactou diretamente no trabalho dos literatos do grupo.

Embora não se encontre alguma pesquisa ou trabalhos literário-acadêmicos que ligue o grupo chileno às elucidações da literatura engajada, é possível discernir que o conteúdo social seria um caminho para uma análise mais aprofundada, tendo em vista que não necessariamente é preciso que os contextos sociais ou políticos sejam problematizados de forma clara.

No entanto, em muitas vezes, a preocupação volta-se mais para a apresentação de uma boa narrativa, uma literatura que dê prazer, do que propriamente focar-se em temáticas sociais, diferenciando-se um pouco dos “novos romances”. Mas tanto neste caso, quanto no caso exposto acima, uma prática não inviabiliza a outra.

Os principais nomes da Nueva Narrativa chilena são Carlos Franz, Gonzalo Contreras, Alberto Fuguet, Arturo Fontaine Talavera, Ana María del Río, Carlos Cerda e Jaime Collyer. E ao longo deste semestre, sempre que possível, o grupo literário, seus textos e autores, serão tema de nossos textos.

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Un subconsciente escrutado: Jaime Collyer

Nascido em Santiago, no ano de 1955, o chileno Jaime Collyer não é um escritor que se encontra todos os dias nas esquinas ao redor do mundo. É difícil tentar analisá-lo em poucas linhas e buscar respostas para o tipo de escrita desenvolvido pelo literato.

Se fosse possível estabelecer três palavras-chaves para demarcar a literatura desenvolvida por ele, poderíamos elencar sexo, psicologia e pressão (moral, política, etc.).

Escrevendo desde muito cedo, enquanto ainda estava no colégio, graças aos famosos talleres literários descobriu que, definitivamente, o fazer literário era algo que lhe dava prazer. Entretanto, outra área lhe chamava a atenção: a psicologia. E foi esta a sua primeira profissão. Formou-se psicólogo no ano de 1980 na Universidad de Chile, mudando-se em seguida para Madrid, onde permaneceu até 1990.

Enquanto desenvolvia seus contos e romances, Collyer seguiu se graduando, diplomando-se em Relações Internacionais e Ciências Políticas e obteve o título de mestre em Sociologia do Desenvolvimento. Seu primeiro livro publicado foi a história infantil Hacia el Nuevo Mundo, juntamente com Patricia Fernández.

No entanto, a obra que demarcou o escritor como um grande da Nueva narrativa chilena de los noventa foi seu romance El infiltrado, de 1989, que lhe rendeu o prêmio internacional Grinzane Cavour, mais de duas décadas depois, como o romance latino-americano traduzido para o francês no ano de 2001.

Outros grandes romances de sucesso do escritor foram Cien pájaros volando, de 1995, El habitante del cielo, de 2002, e La fidelidad presunta de las partes, de 2009. Também obteve sucesso em contos como La bestia en casa, de 1998, Cuentos privados, de 2002, e La voz del amo, de 2005. E o ensaio Pecar como Dios manda, historia sexual de los chilenos, de 2010.

Collyer tem como marca registrada em suas temáticas adentrar no mais profundo dos seres humanos, colher os seus anseios e desejos mais íntimos, tentando esmiuçar o cataclismo gerado entre os pensamentos, o prazer e as ações.

Embora seja difícil generalizar, seus personagens — principalmente aqueles de enredos estabelecidos no século XX — encontram barreiras que lhes geram vazios existências, por diferentes motivos, ainda que, em boa parte delas, a culpa recaia sobre as pressões exercidas pela sociedade.

Essas coerções, intimidações, imposições mergulham em aspectos morais e, em muitos casos envolvem questões relacionadas à sexualidade dos personagens de seu livro ou, ao menos, dubiedades no subconsciente que envolvem outras temáticas que não a sexual, mas que geram grande sentimento de culpa, desespero ou incertezas.

A maquinaria repressiva da ditadura militar também é representada em alguns livros, mas ela nem sempre parece ganhar grande destaque. Em determinadas tramas, as relações sociais se deterioram sozinhas, por culpa ou erros individuais não ligados diretamente às manobras ditatoriais. Embora, seja possível fazer uma análise mais ampla em que a ditadura possa ser comparada ao ar, ninguém vê, mas está ali, alimentando as vidas.

Acima de tudo, é possível enxergar que as grandes problemáticas estão relacionadas à transgressão às regras — ainda que de forma anêmica — estabelecidas pela sociedade, comunidade ou, a falta de adaptação a elas por algum motivo abrupto.

Como viver sob as pressões e violência que estão diluídas na busca pelo dinheiro, prestígio, fidelidade, masculinidade, machismo, etc. O que tanto chama a atenção em seus livros, é na verdade, o depois: o que fazer quando as transgressões e os rompimentos das regras acontecem inesperadamente?

Como seguir em frente, repensar tudo o que se fez até o derradeiro momento e o que se fará para o futuro? Os finais são abertos, de definitivo, apenas a reflexão sobre as tramas.