Livros: uma nação que lê pouco

Não é um assunto relativamente novo, mas quando consideramos todos os habitantes do Brasil, descobrimos que esta não é uma nação que costuma ler muitos livros. Obviamente exceções não faltam, inclusive o ambiente desta revista é uma das exceções, onde encontramos autores e leitores que leem muito.

No entanto, não há como fugir deste problema. Segundo dados do Ministério da Cultura divulgados no artigo Dia do Leitor, em 06 de janeiro de 2012, a média anual de leitura é de 1,3 livros por pessoa, segundo o Instituto Pró-Livro. O governo brasileiro quer subir essa média para 4 livros.

Embora esse pequeno número seja alarmante, um outro dado que me surpreendeu veio da Fundação das Biblioteca Nacionais, segundo a FBN, existem no Brasil 96 milhões de leitores e apenas 30 milhões compram livros. Acreditava que esse número de compradores de livro não fosse nem 15% destes números divulgados.

Existem ações já implementadas desde o ano passado e outras que ainda serão. Uma delas é o cadastramento das editoras pela FBN, visando um barateamento no preço dos livros, já são 10 mil títulos passíveis de serem comercializados a um pequeno valor, R$ 10.

O Ministério também iniciou a modernização e o aumento de acervo de algumas bibliotecas públicas do país com um investimento de 40 milhões. Vale ressaltar também que ente as ações desenvolvidas desde 2011 está a construção de 340 bibliotecas nas Praças de Esporte e Cultura.

Vejo com bons olhos todo este investimento, embora seja bem pequeno comparado a outras áreas, mas o grande problema está no estímulo, no prazer à leitura e isso precisa ser muito trabalhado nas pré-escolas e principalmente dentro das famílias.

Ainda que seja algo utópico, pais leitores têm filhos leitores, principalmente se houver estímulo dentro da sala de aula. E então, esses investimentos serão de grande serventia, pois conheço bibliotecas municipais que o movimento é extremamente pequeno e os livros só não estão às traças porque, pelo menos, existe cuidado com eles.

Acredito também que a internet e a possibilidade da leitura de livros digitais podem contribuir para o aumento da leitura, mas esse aumento precisa ser acompanhado de “qualidade da leitura”.

Não basta ler qualquer livro e neste ponto acabo “puxando a sardinha para o meu lado”, pois os livros de história deveriam ser mais lidos. Não falo de história do Brasil, da Idade Média, mas sim da possibilidade de leitura de livros da área de cada um, por exemplo, hoje é possível encontrar livros sobre a história do desenvolvimento da matemática, economia, esportes, direito, medicina e até das redes sociais.

Opções não faltam, basta você encontrar aquilo que lhe agrada mais. Além dessa leitura, acrescentaria as leituras de ficção, mas principalmente àquelas que abordam, com teor crítico, o contexto em que foram produzidas.

Este processo de aumento de leitura e da qualidade dela, é algo que já pode ser implantado, como em parte está, mas seus frutos serão colhidos apenas mais a frente. Não escrevi muito sobre a importância da leitura, pois acredito que os leitores deste texto já estão plenamente informados sobre isso.

Enfim, é imprescindível que as crianças já comecem a tomar contato com a possibilidade da leitura desde pequenas, corroborado com a ação dos “pais leitores” e que os investimentos não caíam, mas sim aumentem para que possamos ser um país de bons leitores.

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Livro de Mario Vargas Llosa traz nas entrelinhas a questão da responsabilidade do intelectual

Após anunciar recentemente a doação de sua biblioteca pessoal com mais de 30 mil títulos para a cidade de Arequipa (Peru), lugar onde nasceu, Mario Vargas Llosa, que completou 76 anos no dia 28 de Março, terá mais um livro lançado neste mês de abril: “La Civilización del Espetáculo” (A Civilização do Espetáculo). O livro foi publicado pela editora espanhola Alfaguata.

O ensaio traz a denuncia do risco de desaparecimento da cultura em nossos dias e do fazer jornalístico, que para o autor é um jornalismo de espetáculo, embora não negue a existência de um jornalismo sério.

Para isso, Vargas Llosa faz uma descrição objetiva e profunda sobre o mundo atual dos males que afetam a sociedade. Segundo o site EUROPA PRESS, o escritor ressalta a crescente banalização da arte e da literatura, o grande êxito do sensacionalismo na imprensa e a inconstância e futilidade da política.

A respeito de estarmos em uma cultura ou civilização do espetáculo, Vargas Llosa disse a coluna de Ricardo Setti, da revista Veja, que

“A impressão que tenho é que não é apenas uma dimensão, mas todo o conjunto da vida em sociedade que está afetada por isso que poderíamos chamar a frivolização, a banalização. A cultura procura hoje, mesmo que não o deixe explícito, sobretudo divertir, entreter. E tradicionalmente não era essa a função da cultura. A cultura tentava responder às grandes perguntas: que fazemos neste mundo? Temos um destino ou não? Somos realmente livres ou somos seres movidos por forças que não controlamos? Toda essa problemática, que era à qual a cultura procurava dar resposta, praticamente se extinguiu hoje em dia, desapareceu”.

Além disso, “o prêmio Nobel de 2010” critica a falta de ação dos intelectuais, principalmente os literatos, que já não acreditam que a Literatura seja uma chave de denúncia e de discussão para intentar soluções, ainda que não as atinja, para os problemas de seu tempo.

“Fazem literatura e aceitam que a literatura tenha um papel modesto dentro da vida da sociedade. E creio que isso também se reflete na pouca ambição exibida por boa parte da literatura de nosso tempo. (…) os escritores de hoje, em grande parte, não escrevem para a eternidade, para sobreviver à morte. Contentam-se com que a literatura cumpra uma função mais ou menos imediata, e seja uma literatura de consumo, no sentido mais explícito da palavra.”

E é justamente baseado no parágrafo anterior que o título deste texto faz sentido. Vargas Llosa, como um escritor e intelectual que já nos anos de 1950 e 1960 abordava os problemas da sociedade peruana e da América Latina em seus romances ficcionais, abomina a “fuga da luta”, se assim posso dizer, dos escritores atuais.

O próprio autor reconhece que nasceu para a literatura numa época em que o não engajamento, o descomprometimento, eram inconcebíveis. Ainda em entrevista a Veja a respeito dos escritores de seu tempo, diz:

“Defendia determinados pontos de vista, criticava outros, mas desta maneira contribuía de algum modo para a vida cívica, a vida social de seu tempo. Essa é uma atitude que hoje parece completamente obsoleta. Os escritores mais jovens não pensam que essa deva ser a função de um escritor.”

O livro em si, não está centrado nesse debate dos intelectuais, mas todos os temas abordados nos levam a essa intensa reflexão sobre o papel do escritor, se é preciso um engajamento político-social ou não.

Logicamente quem busca informações sobre a cultura, política, poder e o jornalismo atual aos olhos de Mario Vargas Llosa, terá subsídios importantes, mas deixar esse questionamento dos intelectuais seria desperdiçar o esforço de uma vida toda de um escritor que assumiu as responsabilidades de contribuir e argüir de alguma forma sobre os temas e problemas presentes em sua sociedade.

Inferno de Dante?

Até hoje é comum encontrar pessoas que tenham uma ideia de inferno baseada na primeira parte do poema A Divina Comédia, com o nome não menos surpreendente de Inferno, do escritor florentino Dante Alighieri e nunca se deu conta disso.

O motivo para isso não é tão difícil de entender e está centrado em questões como a difusão das informações da obra ao longo dos séculos, com pequenas distorções, como sempre acontece e pela falta de interesse da grande maioria das pessoas ao receber uma informação como verdade, sem buscar a sua origem e se questionar sobre ela.

A obra máxima de Dante, que viveu entre 1265 e 1321, é divida em três partes, Inferno, como já citado, Purgatório e Paraíso. Foram escritas em períodos diferentes entre os anos de 1304 e 1321. Com um caráter épico e teleológico a obra nos revela muito do pensamento medieval sobre a ideia tanto da constituição de céu e inferno, como de suas respectivas localizações, conforme a imagem abaixo:

Basicamente, o livro é um poema de caráter narrativo que conta uma viagem ou odisseia do personagem principal, Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, guiado pelo poeta romano Virgílio, nas duas primeiras partes e por Beatriz, na etapa do céu, revelando-nos detalhadamente a constituição e características desses lugares.

Segundo Andrade e Costa a obra contém traços mitológicos de civilizações antigas que fizeram parte das reformulações de corpo de conceitos praticados pela Igreja, na busca de mais fiéis. “O conceito de inferno cristão é associado ao mundo dos mortos da civilização grega, também conhecido como Hades, mais propriamente a parte denominada Tártaro.”

Portanto é importante levar em consideração que conceito de inferno trabalhado pelo cristianismo, principalmente entre os séculos XI e XIII, fazia parte do cotidiano de Dante. Conceito este, retratado como um lugar repleto de demônios, almas perdidas pelos mais diversos motivos, onde há sempre muita violência punitiva e fogo ardente.

Com suaves alterações, sem desconsiderar os conteúdos bíblicos, essa ideia permanece atualmente no imaginário popular, religioso ou não. É comum dizer que pessoas não batizadas, pagãs, gananciosos, luxuriosos, violentos, traidores vão para o inferno e todos esses indivíduos estão presentes na obra de Dante em seus respectivos círculos (locais) no inferno. Logicamente, todo o ensinamento presente na bíblia contribui para essas imagens, mas algumas características “dantescas” de locais e personagens são facilmente encontradas.

Mas o foco aqui é alertar para a quantidade de história, estórias, ideias e pensamentos presentes em nosso tempo, difundidos pela literatura ou linguagem oral, de muitos séculos atrás e que raramente nos perguntamos: “de onde veio isso?“; “Por que é dessa forma que pensamos determinada coisa?“. Passamos a aceitar informações e perdemos a oportunidade, neste caso, de adentrar no mundo dos livros e aprender, se divertir e refletir.

A discussão sobre as influências que a imagem de inferno sofreu, por livros, pela bíblia, obras teológicos, etc., é uma discussão longa e não é essa a intenção. Mas sim tentar aguçar um pouquinho nossa parte questionadora e curiosa que nos levará, indubitavelmente, para a prática da leitura e em um mergulho na história. E essas duas ações, unidas, contribuem para nosso desenvolvimento enquanto homens e cidadãos na intenção de construir um mundo melhor.

Ditos populares através da história, na Idade Média

Em artigo anterior, publicado aqui mesmo em dezembro de 2010, foram apresentados dois ditados populares que surgiram na cidade de Roma. Dando continuidade a essa série, este texto visa identificar e explicar alguns ditos que apareceram pela primeira vez na Idade Média.

Por diversos motivos e principalmente para facilitar os estudos e pesquisas divide-se o tempo histórico em períodos. A Idade Medieval é delimitada por acontecimentos políticos, costumeiramente seu início é datado no século V, no ano de 476 d.C., quando há o desmantelamento do Império Romano do Ocidente. Já o fim desse período se dá no século XV, em 1453 d.C., com a queda de Constantinopla.

É difícil imaginar que um santo tenha inspirado a criação de um dito popular, mas foi o caso da expressão “tirar o pai da forca”. Atualmente se usa esse ditado para alguém que está com muita pressa, sua origem é do século XIII na Itália.

Fernando Martinho de Bulhões, que após uma vida santa e de milagres, veio a ser beatificado pela Igreja como Santo Antônio, por volta de 1229, durante uma pregação, teria visto seu pai prestes a ser executado em Lisboa, ao colocar a mão sobre os olhos teria se transportado para Portugal onde conseguiu salvar seu pai.

Outro dito popular que surgiu na Idade Média e esteve relacionado com a Igreja Católica foi a expressão “culpa no cartório”. O Tribunal da Santa Inquisição, que era utilizado para averiguar e julgar crimes como a heresia, feitiçaria, bigamia, sodomia, apostasia, no período medieval, por volta do século XIII na Europa, manteve cartórios em locais onde os suspeitos de heresia (seguir uma doutrina ou praticar atos contrários à Verdade revelada e pregada por Jesus Cristo) eram chamados para prestar depoimento e serem julgados.

Como hoje, esses tribunais armazenavam um histórico de todos os julgados e passar por esse cartório já representava, naquela época, uma mancha na sociedade que dificilmente o cidadão conseguiria se livrar. Como a Inquisição tinha forte presença na Espanha a expressão surgiu lá como “culpa en el notario”, em português “culpa no cartório”.

Por fim, é muito comum mandarmos alguém que está nos perturbando ir “tomar banho”. Essa expressão tem um sentido muito negativo, de repulsa. Sua origem provável está na idéia vinculada à virtude, ao pecado, à higiene, já que os crimes cometidos em nossa sociedade são tidos como sujeiras. Assim, na Idade Média o ato de se lavar era muito importante no sentido da purificação.

Em 1399, o rei Henrique IV criou a Ordem do Banho. O que parece ser engraçado era, na verdade, muito sério e virtuoso. Essa ordem, que era constituída no período por cavaleiros, existe ainda hoje com algumas alterações nos rituais e seus integrantes atuais tomam banho durante a cerimônia em que recebem o título. A água simboliza a purificação espiritual e os escolhidos são chamados de Cavaleiros do Banho.

Em uma próxima oportunidade entenderemos melhor a origem e os significados de ditos populares e expressões que surgiram na Idade Contemporânea, iniciada em 1789 e que “dura” até os dias de hoje. Compreenderemos também o por quê desta data marcar o início do período contemporâneo e identificaremos o contexto que envolve a criação dos ditos populares dessa época.

A questão da temporalidade da obra engajada

Sabemos da grande importância dos romances, ensaios, textos em geral, engajados. Principalmente o primeiro gênero citado anteriormente, pela questão da estética realista, seria o suporte ideal de uma representação engajada de nossas realidades e da História. Além do que, o romance também dá maior liberdade ao escritor, logicamente, sem deixar os cânones literários de lado.

A literatura engajada nos possibilita enxergar um compromisso de seus escritores com seu tempo e com as problemáticas de suas respectivas sociedades, visando debater e fornecer soluções para os grandes problemas. Deste modo, podemos entender a literatura como mais uma valiosa ferramenta, dentre tantas outras, para as grandes discussões de nosso tempo.

No entanto, intelectuais, literatos ou não, constantemente criticam a questão da temporalidade das obras engajadas. Ou seja, se elas contribuem diretamente com a sua sociedade e seu tempo, estaria seu “efeito” sobre os leitores restrito a um curto espaço de tempo?

Se analisarmos a perspectiva apresenta por Benoît Denis em seu livro “Literatura e Engajamento: de Pascal a Sartre”, a literatura engajada está sentenciada a uma obsolescência rápida (quando um livro deixa de nos ser útil).

A atualidade, o tempo que passa e o mundo em constante mudança limitam de alguma forma a vida útil dessa literatura, em que os escritores escolheram ligar-se estreitamente à temporalidade, aos acontecimentos de suas sociedade. O escritor engajado, na análise de Denis, recusa-se a escrever para a posteridade.

Nesta concepção, o escritor engajado acaba renunciando a apostar nos seus leitores futuros e decidi responder às exigências do tempo presente. Impreterivelmente, assume uma espécie de sacrifício da glória que poderia receber postumamente. É algo inerente ao seu engajamento, ressaltando a sua vontade de responder claramente ao seu mundo e de participar dos debates que agitam sua realidade.

No entanto, é preciso pensar o engajamento como o ponto onde se ligam o individual e o coletivo, onde o escritor traduz em atos e para seus leitores, presentes ou futuros, uma escolha feira em determinado contexto (escolha tanto literária, quanto de opinião em um determinado debate), transformando as palavras em atos — parafraseando Sartre.

A validade desta ação permanece ad aeternum, principalmente se pensarmos que os grandes debates são revisitados constantemente ou se prolongam ao longo das décadas.

Creio, de um ponto de vista prático, que determinado texto engajado, produzido em seu tempo, revela serventia para os problemas daquele exato momento e, nesse sentido, compreendo a posição dos acadêmicos que pensam na condenação da literatura a sua atualidade.

Mas em um sentido histórico, essa obra engajada é alvos de pesquisas, como importantes fontes de análise de um determinado tema ou período em que foram produzidos, fomentando novos debates em nossas sociedades. Portanto, continuam a manter a intenção primordial de seus escritores e, de forma alguma, perdem seu valor histórico.

Un subconsciente escrutado: Jaime Collyer

Nascido em Santiago, no ano de 1955, o chileno Jaime Collyer não é um escritor que se encontra todos os dias nas esquinas ao redor do mundo. É difícil tentar analisá-lo em poucas linhas e buscar respostas para o tipo de escrita desenvolvido pelo literato.

Se fosse possível estabelecer três palavras-chaves para demarcar a literatura desenvolvida por ele, poderíamos elencar sexo, psicologia e pressão (moral, política, etc.).

Escrevendo desde muito cedo, enquanto ainda estava no colégio, graças aos famosos talleres literários descobriu que, definitivamente, o fazer literário era algo que lhe dava prazer. Entretanto, outra área lhe chamava a atenção: a psicologia. E foi esta a sua primeira profissão. Formou-se psicólogo no ano de 1980 na Universidad de Chile, mudando-se em seguida para Madrid, onde permaneceu até 1990.

Enquanto desenvolvia seus contos e romances, Collyer seguiu se graduando, diplomando-se em Relações Internacionais e Ciências Políticas e obteve o título de mestre em Sociologia do Desenvolvimento. Seu primeiro livro publicado foi a história infantil Hacia el Nuevo Mundo, juntamente com Patricia Fernández.

No entanto, a obra que demarcou o escritor como um grande da Nueva narrativa chilena de los noventa foi seu romance El infiltrado, de 1989, que lhe rendeu o prêmio internacional Grinzane Cavour, mais de duas décadas depois, como o romance latino-americano traduzido para o francês no ano de 2001.

Outros grandes romances de sucesso do escritor foram Cien pájaros volando, de 1995, El habitante del cielo, de 2002, e La fidelidad presunta de las partes, de 2009. Também obteve sucesso em contos como La bestia en casa, de 1998, Cuentos privados, de 2002, e La voz del amo, de 2005. E o ensaio Pecar como Dios manda, historia sexual de los chilenos, de 2010.

Collyer tem como marca registrada em suas temáticas adentrar no mais profundo dos seres humanos, colher os seus anseios e desejos mais íntimos, tentando esmiuçar o cataclismo gerado entre os pensamentos, o prazer e as ações.

Embora seja difícil generalizar, seus personagens — principalmente aqueles de enredos estabelecidos no século XX — encontram barreiras que lhes geram vazios existências, por diferentes motivos, ainda que, em boa parte delas, a culpa recaia sobre as pressões exercidas pela sociedade.

Essas coerções, intimidações, imposições mergulham em aspectos morais e, em muitos casos envolvem questões relacionadas à sexualidade dos personagens de seu livro ou, ao menos, dubiedades no subconsciente que envolvem outras temáticas que não a sexual, mas que geram grande sentimento de culpa, desespero ou incertezas.

A maquinaria repressiva da ditadura militar também é representada em alguns livros, mas ela nem sempre parece ganhar grande destaque. Em determinadas tramas, as relações sociais se deterioram sozinhas, por culpa ou erros individuais não ligados diretamente às manobras ditatoriais. Embora, seja possível fazer uma análise mais ampla em que a ditadura possa ser comparada ao ar, ninguém vê, mas está ali, alimentando as vidas.

Acima de tudo, é possível enxergar que as grandes problemáticas estão relacionadas à transgressão às regras — ainda que de forma anêmica — estabelecidas pela sociedade, comunidade ou, a falta de adaptação a elas por algum motivo abrupto.

Como viver sob as pressões e violência que estão diluídas na busca pelo dinheiro, prestígio, fidelidade, masculinidade, machismo, etc. O que tanto chama a atenção em seus livros, é na verdade, o depois: o que fazer quando as transgressões e os rompimentos das regras acontecem inesperadamente?

Como seguir em frente, repensar tudo o que se fez até o derradeiro momento e o que se fará para o futuro? Os finais são abertos, de definitivo, apenas a reflexão sobre as tramas.

Romance, realismo, política e sociedade: Vargas Llosa

Os cinco primeiros romances do escritor peruano Mario Vargas Llosa, publicados no final década de 1950 e início de 1960: Los Jefes (1959), La ciudad y los perros (1963), La casa verde (1966), Los Cachorros (1968) e Conversación en la Catedral (1969), ainda sejam narrações muito diversas em intenção, assunto e formas (e, de fato, cada obra constitui uma intensificação da complexidade técnica e de conteúdo a respeito da anterior), apresentam uma inquestionável unidade quanto à complexidade do projeto e a visão narrativa que propõem.

Vargas Llosa aprendeu a cultivar o realismo urbano, de clara intenção social e testemunhal, às vezes inspirado na escola narrativa norte-americana, o neo-realismo literário e cinematográfico italiano e as ideias do compromisso desenvolvidos por Sartre.

Estas influências são visíveis nos contos juvenis de Vargas Llosa e até mesmo em seus primeiros romances. No entanto, a principal novidade que o autor introduz em suas obras é a ruptura do modelo de representação naturalística e do esquema intelectual, algo simplista em que se apoiava o trabalho desse grupo.

A mesma evolução dos romances do autor demonstraria sua rápida independência estética, estimulada por sua experiência européia e o descobrimento de outras formas e propostas.

Los Jefes

A primeira, publicada no ano de 1959, contém seis contos: Los Jefes, El desafio, El hermano menor, Dia domingo, Um visitante y El abuelo.

Os contos, de forma geral, abordam problemáticas da sociedade peruana que perpassam pela rigidez dos padrões educacionais nos colégios militares, o não respeito às diferenças, a violência no campo, e as situações do convívio em sociedade, as contradições, o medo, a hipocrisia, colocando em pauta os valores humanos.

Como em outras grandes obras suas que viriam posteriormente, inclusive com uma gama semelhante de abordagens, Vargas Llosa explora cidades como Piura, Lima, com seus bairros e personagens marcantes que habitam essas localidades e as caracterizam, tornando-se uma importante porta de entrada para a análise dos grupos que constituíam as cidades costeiras que recebiam cada vez mais migrantes das áreas serranas.

La ciudad y los perros

A segunda obra presente nesta análise foi publicada no ano de 1963. A obra se desenvolve em meio a uma escola militar de cadetes em Lima e a trama baseia-se nas próprias experiências do autor no Colégio Militar Leôncio Prado.

O epílogo do romance certifica o que foi o colégio para os protagonistas, assim como para Vargas Llosa: uma estação por onde eles passaram, que os formou ou deformou, para integrá-los à sociedade civil.

O autor critica também a forma de vida e cultura castrenses, onde se potencializam valores já estabelecidos como agressividade, masculinidade, valentia, sexualidade, entre outros, que mutilam o desenvolvimento dos alunos desse internato como pessoas. Com uma vasta gama de personagens, as vidas destes vão-se entrecruzando, compondo assim a trama do livro.

La Casa Verde

A terceira obra a ser analisada foi publicada em 1966, o segundo romance de Mario Vargas Llosa, conta uma trama envolvendo um bordel, de mesmo nome da obra, cuja presença em Piura afeta as vidas de todos os personagens.

A história centra-se em Bonifácia, uma garota de origem aguaruna que é expulsa de um convento para transformar-se logo em la selvática, a prostituta mais conhecida da Casa Verde.

Los Cachorros

A quarta obra de Vargas Llosa presente nesta pesquisa é Los Cachorros. Costuma-se relacionar diretamente este livro com “La ciudad y los perros“, argumentando-se os temas trabalhados nele, como adolescência e a juventude, os problemas de adaptação e a sociedade feroz que castiga aqueles que não seguem suas regras.

A obra mostra a falta de adaptação propiciada por uma castração física. Esta castração pode simbolizar a relutante falta de machismo no personagem principal, Pichula Cuéllar, recurso que caracteriza a sociedade peruana do período, retratada no texto.

Cuéllar, porém, nunca rechaça este machismo, mas tenta adaptar-se a ele, mesmo sabendo que não pode adaptar-se. A crítica à pressão que a sociedade exerce sobre o individuo diferente é clara e muito bem abordada nesta obra, retratando a sociedade peruana tão criticada por Vargas Llosa.

Conversación en La Catedral

O quinto e último livro de Vargas Llosa presente em nossa análise foi publicado em 1969, a obra é uma visão da sociedade peruana durante a ditadura do general Manuel Odría, nos anos 1950, época em que o Peru estava marcado pela corrupção, imoralidade, discriminação, prejuízos sociais e raciais.

Na historia se observa a decepção que vai tendo Santiago del Perú de meados do século XX uma vez que o protagonista vai caindo pouco a pouco no pessimismo e na mediocridade, o que lhe faz indagar no início do livro: “¿En qué momento se había jodido el Perú?”.

Vargas Llosa, através de Santiago Zavala, relata uma imagem pessimista do Peru daquele período, neste complexo romance, dialógico e fragmentado, cuja leitura é um desafio e sua análise um desafio ainda maior para a crítica.

Do cozido ao podre, de Marco Antonio de la Parra

Marco Antonio De la Parra é, sem dúvida nenhuma, uma figura múltipla e ímpar da cultura chilena. Nascido em Santiago em 1952, é escritor, psiquiatra, ensaísta e dramaturgo.

E tudo o que se propôs a fazer ganhou reconhecimento não só em seu país, mas também internacionalmente. Não por acaso, é membro da Academia Chilena de Bellas Artes na área teatral e recebeu dezenas de prêmios por suas peças teatrais, romances, contos, etc.

O escritor é mais um membro da Nueva narrativa chilena de los noventa, segundo os críticos literários de seu país. E, assim como outros literatos do grupo, suas obras também são influenciadas pelo trágico período ditatorial no Chile, ou melhor, trabalham com este contexto.

Se pudéssemos escolher algumas palavras-chave para descrever sua vasta quantidade de obras, as escolhidas seriam: sátiras metaforizadas, identidade chilena, história chilena e arquétipos sociais.

Suas principais obras são Lo crudo, lo cocido, lo podrido de 1978, La secreta obscenidad de cada día de 1984, King Kong Palace o El Exilio de Tarzán de 1990, La secreta guerra santa de Santiago de Chile de 1989, La mala memoriade 1997, La tierra insomne o La vida privada/La puta madre de 1998, entre tantas outras.

Sua obra prima teatral, Lo crudo, lo cocido, lo podrido, foi censurada peal Universidad Catolica de Santiago nos anos de ditadura. O enredo gira em torno de dois garçons chamados Efraín e Evaristo, do gerente Elias, além da personagem Eliana que trabalha como caixa, juntamente com os outros personagens, em um velho restaurante na capital do Chile com nome de Los Inmortales. Todos são antigos membros de uma ordem secreta chamada “Orden de la Garzonería Secreta”.

Ao longo do texto, as estruturações das histórias parecem nos fazer conhecer de perto políticos degradantes do período, em espécies de perfis traçados parágrafo a parágrafo. Revelam também um ritual cruel, execuções de líderes políticos e cadáveres enterrados nas paredes do local, extrapolando a realidade. Transmitindo-nos uma sensação nostálgica por parte dos personagens, na busca de um passado deteriorado que parece não mais voltar.

Através dessa espécie de sátira atroz e surreal, mas também política, é possível conhecer uma outra faceta, através dos símbolos e silhuetas, de uma sociedade sob o domínio da repressão. De algo que parece querer ser esquecido, mas que é remoído e volta constantemente.

A linha temática de algumas de suas obras parece garantir a possibilidade aos leitores de refletir sobre o poder e seu funcionamento, mas não apenas relacionado à ditadura, não somente sob o ponto de vista político, mas também no âmbito individual, em nosso cotidiano.

Garantem também uma oportunidade de mergulhar profundamente nas relações subjetivas do poder no passado, presente e futuro, mas desde a perspectiva do contexto da ditadura militar no Chile.

E, assim, ponderar sobre a transição de uma fase política de repressão para uma de liberdade. Ao melhor, supostamente de liberdade. Levando-nos, então, a pensar sobre nossas vidas, enquanto pensamos na sociedade chilena, de até que ponto houve uma transição ou continuidade, até ponto a liberdade não continua sendo uma repressão disfarçada, até que o ponto o passado ainda é presente.

Literatura engajada

Há quem diga que a discussão do tema literatura e engajamento já foi mais assídua. Com seu ponto alto no fim da Segunda Guerra, floresceu com Sartre, se desenvolveu com tantas outras figuras importantes como Albert Camus, Gabriel Marcel, Roland Barthes, etc.; perdendo espaço nas últimas duas décadas, sendo retomada apenas pontualmente para falar de autores que vivenciaram as décadas de 50, 60 e 70 e se reconhecem engajados.

E é este o tema que o livro de Benoît Denis, Literatura e engajamento — de Pascal a Sartre, trabalha. Discute essa relação de literatura e a escolha pelo “engajar-se” dos escritores, as suas responsabilidades, os diversos gêneros pelos quais se expressavam, o embate entre arte x realismo político, entre outros.

Depois de realizar — sob a direção de Jacques Dubois — uma tese sobre Jean-Paul Sartre e a gênese de seu conceito de engajamento literário, Benoît Denis tornou-se chefe do departamento de línguas e literaturas românicas na Universidade de Liege, na Bélgica.

Sua especialidade é a história da literatura francesa do século XIX e XX, voltando-se para o estudo da relação entre literatura e política. Ele também é especialista em literatura francófona da Bélgica: com o professor Jean-Marie Klinkenberg, com quem está trabalhando atualmente, dirige o Centro para o Estudo da literatura francesa na Bélgica (Celifrab).

Nos últimos sete anos tem pesquisado a história social da literatura na Bélgica. Finalmente, como Diretor do Centro de Estudos de Georges Simenon na Universidade de Liege, publicou extensivamente sobre este escritor, incluindo edições críticas.

Com toda essa vasta experiência presente no livro, o autor nos garante uma importante ferramenta para expandir nosso conhecimento sobre a questão do engajamento e a literatura. Indicando-nos que falar de engajamento significaria voltar a se interrogar sobre o alcance intelectual, social ou político de uma obra, desde que o autor tenha escolhido se engajar.

É importante ressaltar ainda que, ao engajar-se, o escritor se inscreve num processo que a literatura precisar servir a alguma outra coisa que não ela mesma, não tem um fim em si mesma. “Colocar em penhor, fazer uma escolha e estabelecer uma ação” são os três componentes semânticos essenciais que determinam o sentido do engajamento.

Enfim, embora pareça um tema bem acadêmico, o livro interessa a todos aqueles que dedicam horas e horas à literatura, seja por trabalho ou entretenimento, ajudando-nos a compreender a intenção de diversos autores com seus textos engajados, quais os caminhos e como fizeram uso dos gêneros literários juntamente com suas técnicas.

Este livro, como o próprio Denis nos indica,

“se coloca antes de tudo em termos literários e estéticos. O engajamento implica numa reflexão do escritor sobre as relações que trava a literatura com a política (e com a sociedade em geral) e sobre os meios específicos dos quais ela dispõe para inscrever o político na sua obra.”

Gnosticismo: A Biblioteca de Nag Hammadi

A Biblioteca de Nag Hammadi é uma coleção de textos gnósticos do cristianismo primitivo, mais precisamente, doze códices antigos do século IV, oito páginas de um décimo terceiro códice também do mesmo período, além de 52 tratados. Foi descoberto no alto Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, em 1945.

Os textos nos códices estão escritos em copta (língua que prosperou por volta do século III no Egito, da família linguística camito-semítica ou afro-asiática), embora todos os trabalhos sejam traduções do grego.

Este conjunto de texto tem extrema importância para diversificados segmentos de estudiosos da história, além de contribuir para os estudos de religião, do cristianismo, é importante ressaltar a sua relevância sobre a produção de livros coptas e suas leituras, pois nos revela o conteúdo de muitas obras gregas perdidas e que foram preservadas em tradução copta.

Por volta do século II depois de Cristo, o bispo de Alexandria (não há informações precisas sobre o nome, no entanto Kedron, Primo, Justo, Eumênio, Marciano, Celádio, Santo Agripino, Juliano e São Demétrio foram bispos durante esse século — embora alguns autores considerem que a ordem foi dada por Atanásio de Alexandria, que veio a condenar o uso de versões não canônicas dos testamentos em suas Cartas Festivas de 367 d.C) ordenou que todos os documentos de caráter herético fossem destruídos, com grande relevância para aqueles cujo conteúdo fosse gnóstico (Gnosticismo: movimento religioso-questionador dos primeiros séculos do cristianismo, que levavam consigo muitos aspectos do misticismo e um raciocínio filosófico-especulativo).

No entanto alguns monges preservaram alguns escritos em papiro, escondendo-os num jarro de argila na base de uma grande penha chamada Djebel El-Tarif, que mais tarde descobertos, vieram compor a biblioteca da qual trata este texto.

Em 1945, então, um camponês chamado Mohammed Ali Samman encontrou o jarro enterrado que continha os códices de papiro protegidos por um material de couro. Especificamente, segundo o site oficial, os códices encontrados continham os textos sobre cinqüenta e dois tratados, em sua maioria gnósticos, além de três outros textos que pertenceriam a Corpus Hermeticum e, por fim, uma tradução parcial da A República de Platão.

Destaco ainda os textos O Evangelho da Verdade, O Tratado sobre a Ressurreição, A Exegese da Alma, O Evangelho de Felipe, O Evangelho de Tomé, O Apocalipse de Pedro, entre outros.

Apesar de esta descoberta ter ocorrido acidentalmente e haver questionamentos sobre a arbitrariedade da apresentação do conteúdo, os textos que compõe a biblioteca de Nag Hammadi contribuíram muito para os estudos acadêmicos sobre o Gnosticismo.

A tradução da biblioteca de Nag Hammadi, concluída em 1970, forneceu um impulso a uma grande reavaliação da história cristã primitiva e a natureza do Gnosticismo. No entanto, mesmo para leigos no assunto, o livro A Biblioteca de Nag Hammadi:

A tradução completa das escrituras gnósticas, de James M. Robinson, é uma excelente leitura para um conhecimento mais aprofundado sobre religião, gnosticismo e todo o contexto em que os códices foram produzidos e traduzidos.