Sete dias não bastam, Ana María del Rio

Umas das grandes escritoras chilenas do período pós-ditadura, a chilena Ana María Del Rio nasceu em 1948 em Santiago, ganhando destaque nos anos de 1990 com seus romances e contos, além de sua defesa pelos direitos da mulher e suas críticas contra a dominação imposta pela sociedade machista.

Inserida por analistas no grupo da nova literatura chilena, Del Río formou-se em Pedagogia pela Universidad Católica de Chile, especializando-se em literatura pelas universidades americanas de Rice e Pittsburgh, atualmente é diretora acadêmica da Área Cultural do Grupo Behavior, no Chile.

Publicou importantes textos como Óxido de Carmen (1986), Siete días de la señora K. (1993), A tango abierto (1997), Lita, la niña del fin del mundo (2003), Pero ahora no es verano (2011), entre outros.

Dentre tantas publicações, Siete días de la señora K., chamou atenção da crítica literária por relatar a situação de repressão, nas apenas sexual, sofrida pela protagonista do romance. Como a escritora costumeiramente diz, “Verbalizei algo que não se verbaliza jamais, exceto nas consultas médicas”.

Ao longo da trama, a personagem parece estar presa em si mesma, imersa em um contexto que reprime qualquer possibilidade de liberdade e prazer às mulheres. Com a viagem de seu marido, passa a conhecer melhor seu corpo e mente, encontrando comprazeres jamais explorados.

Os setes dias do título do livro são o tempo que a senhora K. se viu longe de seu esposo e também de seus filhos que participavam de um acampamento de inverno. É nesse período que a protagonista encontra uma liberdade até então intangível, experimentando, inclusive, um encontro repentino com um jovem entregador de telegramas.

Até esse momento, a simples dona de casa vivia apenas para servir seu marido e nada mais. A própria incógnita de seu nome revela a inexistência de sua vida para além do casamento e dos serviços domésticos.

O romance, portanto, nos revela um panorama muito comum do papel da mulher na sociedade chilena que vivenciava uma fase de liberdade após a ditadura. No entanto, essa libertação para não atingir a porção feminina do país, que ainda permanece presa à ditadura do machismo.

O tom erótico da obra é marcante porque através dele, senhora K. encontra os primeiros caminhos de liberdade. Ao mesmo tempo em que procura o auto-conhecimento está atrelada à moral social que lhe impossibilita alcançar novas experiências para além de sua casa, ou seja, por mais que ela passe a conhecer certa liberdade, ela ainda está sujeita ao âmbito privado.

Essa, porém, é uma análise muito particular, entre tantas outras possíveis. Não há dúvida de que ao trabalhar uma questão muito presente no cotidiano da sociedade chilena e apresentar uma transgressão às regras, a escritora contribui com mais uma ferramenta de análise de seu tempo.

Contribui para despertar a consciência de seus leitores para preceitos e princípios pré-estabelecidos sem nenhum questionamento, em um clima que parece ser de liberdade, mas que está cercado de repressão, mesmo após o final da ditadura, revelando uma autonomia falsa, maquiada que parecem reprimir com maior força, neste caso, as mulheres.

Segredos da sociedade chilena, Oír su Voz de Fontaine

Seguindo nossa linha de análises sobre a nova literatura chilena dos anos de 1990, Arturo Fontaine Talavera, nascido em Santiago, no ano de 1952 é uma das figuras mais representativas do grupo, atuando como escritor de romances, ensaios e poesia.

Fontaine nasceu em uma família intimamente ligada à literatura e o jornalismo, sua mãe era a poeta Valentina Talavera Balmaceda e seu pai, além de embaixador, foi diretor do jornal El Mercúrio.

Estudou direito na PUC de Santiago, onde também cursou simultaneamente o curso de Filosofia e participou do Centro de Estudios Públicos, fundação sem fins lucrativos que tinha o intuito de investigar e divulgar estudos sobre a sociedade chilena, dando suporte aos pesquisadores.

O escritor publicou muitas obras de sucesso, mas especialmente em Oír su Voz de 1992, demonstrou uma habilidade imensa ao transferir elementos da realidade de seu país para o romance. A trama revela a história de um jornalista, Pelayo Fernández e tem como pano de fundo a ditadura de Pinochet, o imenso poder dos militares e a política econômica neoliberal que conduziu o país à crise.

Sustentada por valores elitistas que destruiam qualquer possibilidade de avanço do país, Fontaine desenvolveu uma espécie de radiografia multifacetada sobre o aquilo que lhe parecia ser o fracasso de um país hipócrita, onde a lei não funcionava com a mesma intensidade para todos, assemelhando-se ao panorama exposto por Vargas Llosa em Conversación en la Catedral, embora os livros sejam completamente diversos em seus elementos narrativos e de enredo.

Não por acaso, o escritor peruano relatou na contra capa da edição de 2003 pela Alfaguara que a obra Oír su Voz “era um romance ambicioso e profundo que percorria todos os segredos da sociedade chilena da década de 1980”, ou seja, passagens, interlocuções que pareciam revelar as atitudes de homens de poder, ou não, nas sombras.

Enquanto obra crítica do regime militar, o romance estabelece um quadro social, político e econômico onde em meio a uma grande crise econômica os grupos mais abastados continuam enriquecendo e as relações sociais parecem estar limitadas pelo poder do militarismo que rondava todos os cantos.

“Cuando llegaron los milicos no me desagradó a mí. Para qué le voy a decir una cosa por otra. Porque con el caballero ése, que tuvimos antes, no había cómo parar la olla. Sobraba la plata y no había productos en los supermercados. Ahora los escaparates están abarrotados y no tenemos plata. ¿Total? la misma cosa para nosotros, señor. El pobre siempre se jode. La plata se la llevan los de arriba, haya el sistema que haya. Para mí, señor, que a estos caballeros de gorra les queda poco…” (Fontaine 1992, p.367)

A realidade apresentada na obra, parte desde uma perspectiva privada, mas que nos revela o transcurso social do período do enredo. O personagem do livro é contratado para trabalhar em uma emissora, cujos donos são ricos empresários, intimamente ligados ao governo militar e sua política econômica, revelando desde a vida do jornalista as contradições do ambiente chileno, assim como suas próprias contradições.

O enredo realista da obra convida o leitor a uma reflexão, sem, no entanto, problematizar sistematicamente o contexto do país, ou seja, não há discussões veladas sobre os prós e contras da política econômica do país ou da atuação governamental, mas temos relatos, situações e diálogos — muitos deles, verídicos — que contribuem para a construção de um raciocínio crítico.

Assim sendo, temos mais um romance capaz de dialogar com as análises acadêmicas sobre o período, com um realismo que se comunica objetivamente com o discurso histórico, mas que logicamente parte de um lugar. Seria bobagem pensar que o escritor assume uma voz coletiva e representativa de todo o Chile.

Há ideologias, opiniões e verdades que são ditas a partir de uma posição e opinião pessoal ou de um grupo, mas isso não desvaloriza jamais a contribuição que um romance realista pode proporcionar para o entendimento de nossa sociedade.

A Nueva Narrativa chilena dos anos de 1990

Grupo de literatos e intelectuais chilenos que passaram a ganhar notoriedade mundial na década de 1990, a Nueva Narrativa (Nova Narrativa) trouxe à tona textos heterogêneos que romperam com a tradição do realismo mágico e da romance tradicional do século XIX.

Em poucas palavras, o Realismo mágico apoia-se em elementos de fantasia ou irreais ao desenvolver enredos perfeitamente reais e cotidianos, obteve grande destaque no século XX na América Latina, principalmente com o mexicano Gabriel García Márquez, ganhador do Prêmio Nobel em 1982.

Já o romance tradicional, ou o Nouveau roman, também desenvolvido no século XX, se contrapõe ao romance tradicional do século XIX, em relação à forma de contar e de evolucionar os textos.

O sentimento geral dos escritores é que os novos romances não precisam seguir uma regra fixa, devendo demonstrar claramente o perfil dos personagens, um enredo, um começo, um meio e um fim. Seu principal representante é o francês Alain Robbe-Grillet. Receberam também muita influência de SartreCamus.

Segundo José Leandro Urbina, se pensarmos em uma perspectiva geracional, é impossível demarcar os integrantes do grupo por seu nascimento e influência.

Logicamente, isso gera uma perspectiva heterogênea, mas apesar de toda essa diversidade em suas preocupações sobre o que seus romances deveriam representar e as variedades de espaço do universo narrativo, possuem características comuns como: aproximar-se do discurso social e logo diluí-lo na trama dos romances e contos, associando-se à características do pós-modernismo literário. A ditadura militar chilena impactou diretamente no trabalho dos literatos do grupo.

Embora não se encontre alguma pesquisa ou trabalhos literário-acadêmicos que ligue o grupo chileno às elucidações da literatura engajada, é possível discernir que o conteúdo social seria um caminho para uma análise mais aprofundada, tendo em vista que não necessariamente é preciso que os contextos sociais ou políticos sejam problematizados de forma clara.

No entanto, em muitas vezes, a preocupação volta-se mais para a apresentação de uma boa narrativa, uma literatura que dê prazer, do que propriamente focar-se em temáticas sociais, diferenciando-se um pouco dos “novos romances”. Mas tanto neste caso, quanto no caso exposto acima, uma prática não inviabiliza a outra.

Os principais nomes da Nueva Narrativa chilena são Carlos Franz, Gonzalo Contreras, Alberto Fuguet, Arturo Fontaine Talavera, Ana María del Río, Carlos Cerda e Jaime Collyer. E ao longo deste semestre, sempre que possível, o grupo literário, seus textos e autores, serão tema de nossos textos.

História e Literatura

Criticada por muitos, elogiada por alguns e trabalhada por poucos, essa relação entre História e Literatura sempre foi conflitante dentro dos meios acadêmicos, principalmente pelos vários caminhos que trabalhos como estes podem tomar.

Visivelmente, hoje em dia, é possível encontrar uma vasta gama de trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses que abordam essa relação entre História e Literatura, usando fontes como romances, obras de ficção ou então, trabalhos mais teóricos, perpassando pela relação das duas áreas.

No entanto, nos meios acadêmicos esse “tipo de história” — se é que podemos dizer assim — ainda enfrenta obstáculos e não é bem visto por um grande número de acadêmicos, principalmente se a produção envolver obras de teor fictício, ou melhor, que os críticos julgam fictício, porque os casos precisam ser analisados individualmente.

Claro que um romance cuja trama é fictícia pode carregar traços da realidade, mas isso depende de quem é o autor, qual a intenção dele para com o leitor e o que o escritor aborda. Muitos romancistas e suas obras são frutos de perspectivas, problemas, anseios do seu tempo, sejam eles sociais, econômicos, políticos, etc.

Sem contar que em determinados romances poderemos compreender a ação do autor como um intelectual de seu tempo. Por exemplo, quando falamos de Mario Vargas Llosa, importante escritor e intelectual peruano, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010 por “sua cartografia das estruturas de poder e suas imagens vigorosas da resistência do indivíduo, sua rebelião e sua derrota”.

Algumas de suas obras estão influenciadas pela percepção do escritor sobre a sociedade peruana e por suas próprias experiências. É o caso das tramas, personagens e argumentos de algumas de suas grandes novelas, como La Casa Verde (1966), ambientada na sórdida e surpreendente atmosfera sobre um bordel na cidade peruana de Piura e Conversación en la Catedral (1969), que recria a opressão da ditadura de Odría, nos ambientes estudantis. Muitos outros exemplos poderiam ser dados, mas me estenderia por demais.

O ponto principal neste texto, que gostaria de deixar claro aos leitores é que acredito no poder, me referindo à importância desta intercomunicação entre História e Literatura, pois mais trabalhos de historiadores com livros, romances, Literatura, poderiam contribuir para que os leitores desses livros pudessem compreender não só a trama em si, mas o que está por trás dela, as intenções nela contida, o modo pelo qual as idéias estão encadeadas no escrito, inclusive através de outros vieses como o político, social, econômico ou talvez o papel daquele autor como um intelectual fruto de seu tempo, escrevendo sobre o seu tempo, ainda que as questões abordadas possam ser do passado (neste caso, poderíamos interpretar porque questões do passado estão à tona naquele determinado momento).

Obviamente, seria muito importante entender o que é a Literatura, o que é a História, qual a visão dessas áreas para cada um de nós, mas isso demanda tempo, discussões teóricas, estas que ainda hoje causam grandes embates acadêmicos.

Portanto, não é essa a intenção aqui. Também não estou necessariamente falando que todo e qualquer livro de ficção, romance, Literatura em geral, possa ser trabalhado (ou talvez mereça). Essa questão envolve métodos, teorias e não pode ser pensada de qualquer forma.

No entanto, gostaria de aclarar que essa relação “História e Literatura” pode ser muito frutífera, se bem trabalhada, se o historiador conseguir tornar um livro ou livros em objeto de estudo, perpassando por questões de método e teoria, pode atingir grandes resultados, principalmente pelo grande acesso do público em geral a estas obras de Literatura.

E talvez assim, esses trabalhos acadêmicos pudessem romper os muros das universidades e chegassem até aos leitores como uma nova forma de compreender uma questão (por exemplo, problemas sociais abordados em um livro), compreender o tempo em que a obra foi produzida; entender determinado escritor como um intelectual e o que ele pretende; tomar contato com um novo viés para uma determinada obra já lida, mas não como um apêndice e sim como um novo caminho tão importante quanto a percepção inicial do leitor de uma obra literária ou do autor dela.

Literatura Ficcional e a Posição Política

Quando falamos em literatura ficcional e política, estamos falando necessariamente do quê? Sem dúvida, um tema vasto, onde diversos pontos poderiam ser abordados e aprofundados, dependendo da intencionalidade de quem escreve.

Mais do que simplesmente citar um evento político ocorrido durante o período em que a história é narrada ou criar personagens com determinada posição política, o ponto mais interessante, a meu ver, seria a posição política do escritor, como ela aparece ao longo de suas obras e o quanto isso pode contribuir para nossa formação e opinião política.

Ainda assim, é um assunto que renderia teses e mais teses. Embora exista a impossibilidade de me estender neste espaço, gostaria de lançar algumas fagulhas a esse respeito.

No entanto, não gostaria de questionar se defender uma posição política através de obras ficcionais é certo ou errado, muito menos julgar a posição política de algum autor, mas sim entender, embora exija muito mais do que este simples texto, o que leva um escritor a defender arduamente uma idéia em seus livros, seja denunciando, criticando ou elogiando, ainda que muitas vezes de forma panfletária. Seria a questão do engajamento político? A ação e compromisso do intelectual?

Parece simples responder e muitos responderiam que é natural que as pessoas defendam suas idéias políticas com a sua ferramenta mais valiosa, assim como outros profissionais as defendam no seu ambiente de trabalho ou lazer, em conversas de bar ou redes sociais, por exemplo.

Mas, é muito mais que isso, principalmente quando analisamos que as obras ficcionais dão certa vazão e liberdade aos seus escritos, ainda que exija um certo ajustamento com a realidade vivida para que nos sirva de fonte para nossa formação de opinião, posição política ou estudos.

Um importante exemplo são os poemas e textos do realismo socialista, entre as décadas de 1930 e 1960, onde as obras corroboravam com uma imagem do comunismo como algo ideal, muitas vezes de forma exagerada e até maquiada para “pintar” o comunismo como o melhor meio de atingir um mundo melhor, sem nos esquecer da exaltação das lutas revolucionárias em detrimento dos chamados “reacionários”.

Era uma forma de retratar a realidade e expressão política, embora de forma hiperbólica. O ponto-chave a se pensar seria o contexto envolvido, levando a toda essa exaltação. Além dos questionamentos colocados acima neste parágrafo.

Assim como em qualquer outro meio que se possa analisar, há escritores diversos, com pensamentos diferentes, inclusive do que seria politicamente correto ou não, principalmente no que tange o uso de seu destaque e prestigio na sociedade para influenciar outras opiniões. Essa diversidade enriquece o campo literário, político, e pode se tornar mais um caminho para desenvolver opiniões dos leitores, ainda que estejamos falando de obras ficcionais.

O tema “denúncias” também é muito trabalhado em livros de escritores com um maior engajamento político, como é o caso do peruano Mario Vargas Llosa (que também se candidatou a presidente do Peru em 1990) ao longo de sua carreira, salientando a grandiosa obra “Conversa na Catedral” onde, embora não seja uma obra simplesmente de denúncia, ao narrar as histórias, o cotidiano da população, estudantes e pessoas ligadas a eles, além de personagens com cargos políticos, denuncia e recria a opressão, corrupção e hipocrisia que imperam durante a ditadura de Ódria nos ambientes estudantis no Peru.

O assunto “dá muito pano pra manga”, as questões lançadas aqui não podem ser completamente respondidas com poucas palavras, mas é importante pensarmos no assunto, como leitores ou autores. Precisam ser estudadas e discutidas exaustivamente, mas este pequeno texto nos ajuda a refletir sobre essa relação entre literatura de ficção e política, principalmente aos jovens escritores e se estes desejam seguir o mesmo caminho ou não.

Todavia, uma coisa é certa a respeito da ficção, como o próprio Vargas Llosa escreveu no prólogo do livro citado acima, na reedição de 1998, “o clima de cinismo, apatia, resignação e podridão moral no Peru naqueles tempos foi a matéria-prima deste romance livro, que recria com as liberdades que são privilégio da ficção, a história política e social daqueles anos sombrios”.

Quando a Ditadura Proibiu o Carnaval dos Hermanos

É praticamente impossível imaginar o Brasil sem Carnaval. Embora nem todos apreciem esta “manifestação cultural”, que surgiu na Grécia antiga, ao menos os feriados e os dias de descanso são bem vindos pela imensa maioria.

No entanto, nossos hermanos argentinos ficaram um longo tempo sem carnaval e passaram novamente a comemorar-lo apenas em 2011. Explicando melhor: durante a ditadura militar argentina ocorrida entre 1976 e 1983, houve o banimento oficial do carnaval a partir de 1977, ao eliminar o feriado de Momo.

A grande preocupação do regime naquele período, quando o ditador e general Jorge Rafael Videla estava à frente do país, era de que os guerrilheiros de esquerda aproveitassem a festa para se esconder atrás das fantasias, facilitando a execução de atentados. Além disso, proibiu manifestações, blocos carnavalescos e reuniões públicas destinadas a esse tipo de festejo.

Colegas ditadores: o chileno Augusto Pinochet (ao fundo) e o argentino Jorge R. Videla (em primeiro plano)

A ditadura proibiu o carnaval na Argentina, mas antes disso a festa já havia sido interrompida. A morte de Evita Perón em 1952 culminou com a interrupção das festividades por três anos, quando o governo peronista decidiu suspender o carnaval de 1953 e dos dois anos seguintes. Entretanto, não se pode despejar toda a culpa pela falta do carnaval argentino sobre os ditadores.

No ano de 1955, quando o golpe militar derrubou o então presidente Perón, restaurou-se em fevereiro de 1956 o feriado, para apagar a lembrança de Evita e poder que ela carregava como “mãe dos pobres e trabalhadores”.

Desde proibição em 1977, os argentinos ficaram oficialmente sem carnaval por 34 anos, até que a presidente Cristina Kirchner decretou em 2011 a reimplantação do feriado de carnaval, embora nos últimos 10 anos as manifestações tenham retornado aos poucos.

Já novamente estruturadas, as festividades na argentina são marcadas pelos blocos carnavalescos nos bairros, denominados “murgas”. Hoje são mais de 200 no país. Mas o grande destaque é o carnaval em Gualeguaychú, muito próximo ao estilo brasileiro de desfiles de escolas de samba, o evento é realizado num “Corsódromo”.

Para quem curte uma opção mais voltada para a cultura argentina, vale a pena ver também o carnaval da região indígena no norte do país, na região da Puna, na fronteira com a Bolívia. Segundo Ariel Palacios, correspondente do jornal O Estadão e que escreveu um especial de carnaval em seu blog para o jornal, “os o centro da festa é o Pujillay”, isto é, o “diabo carnavalesco”, personagem da mitologia local, derivada dos incas.

Sepultado desde o final do carnaval do ano anterior, o diabo é desenterrado, dando início às festas, com músicas indígenas e coloridos desfiles pelos vilarejos da região. Nestas festas os participantes mascam folhas de coca e ingerem bebidas feitas com essa planta.”

Agora, finalmente, os “hermanos” podem comemorar o carnaval!

Heleno de Freitas, mais que uma estrela solitária

No dia 4 de março em Miami, ocorreu a première do filme “Heleno”, estrelado e produzido por Rodrigo Santoro e dirigido por José Henrique Fonseca. A cinebiografia conta a história do grande jogador de futebol Heleno de Freitas, que nasceu em São João Nepomuceno-MG no dia 12 de fevereiro de 1920 e mais tarde veio morar no Rio de Janeiro, após falecimento de seu pai.

Vestiu a camisa de vários clubes como Boca Juniors, Santos e Vasco, mas experimentou grande sucesso com a camisa do Botafogo nos anos de 1940. Pelo alvinegro foram 235 jogos e 209 gols, pela seleção foram 18 jogos e 15 gols e quis o destino que a 2ª Guerra Mundial impedisse o mundo de conhecê-lo, as Copas de 1942 e 1946 não ocorreram.

Sem dúvida uma grande carreira, mas Heleno não chega hoje às telas simplesmente por seu futebol majestoso, seu gênio intempestivo e sua vida na noite carioca chamaram igualmente atenção de torcedores e imprensa da cidade maravilhosa. Sua carreira foi marcada por inúmeros vícios, de drogas como lança-perfume, éter ao álcool e uma tentativa de se auto-eletrocutar em um treinamento do Botafogo.

Heleno ia do céu ao inferno, assim como as frases marcantes de sua vida: “Eu era mais feliz quando tinha raiva” e “Eu sou a própria vontade de vencer”. Para finalizar este triste parágrafo, Heleno teve complicações com sífilis, que veio a comprometer seu sistema nervoso, e, no ano de 1959, em um sanatório de Barbacena-MG onde havia se internado seis anos antes, em 1953, veio a falecer.

Mas, ao contrário do que muitos artigos recentes têm abordado, Heleno não deve apenas ser lembrado pelas palavras do parágrafo acima, mas sim por aquilo que mais gostava de fazer, “jogar bola”.

Não que as falhas, vícios de um ser humano deva ser retirada de sua história, pois também fazem parte da vida, mas o seu futebol era algo extraordinário, assim conta os que o viram. Nem as diversas expulsões que recebeu em campo conseguem apagar isso.

Mais do que um artista da bola ou craque galã, perpassando pela construção de imagens, que se dão ao longo do tempo e que todos nós sabemos que existe, Heleno viveu seus dias com intensidade e como alguém que está sujeito aos prazeres e dificuldades de vida, onde em tudo há um preço a se pagar.

Mais do que servir de exemplo aos atuais jogadores de futebol, a vida de Heleno, agora em filme, deve ser admirada! Talvez a sua história não seja mais triste que a de Garrincha e nem mais alegre que a de Pelé, mas foi uma vida ímpar, que não merece comparação, apenas merece ser “Heleno”.

O caso Araceli, uma mancha que jamais será esquecida

O dia 18 de maio é reconhecido em todo o país por ser o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o que poucos sabem é o motivo desta data ser lembrada como esse dia de combate.

Foi no ano de 1973, no fatídico 18 de maio, que a menina Aracelli Cabrera Sanches Crespo, com oito anos de idade, foi assassinada violentamente na cidade de Serra, no Espírito Santo. Seu corpo foi encontrado seis dias depois, todo desfigurado e com claras marcas de abuso sexual nos fundos do hospital infantil Jesus Menino.

Não gostaria de citar nomes de envolvidos e acusados (inclusive é importante frisar que, infelizmente, todos saíram impunes de extrema barbárie), mas para quem se interessar por uma leitura rápida dos acontecimentos, recomendo lerem o “Caso Aracelli” no Wikipedia, pois é um artigo muito elucidativo.

No entanto — não bastasse todo sofrimento que a pobre criança veio sofrer, pois foi mantida em cárcere privado, ter sido drogada, estuprada e desfigurada com ácido, posteriormente, após autópsia realizada na cidade do Rio de Janeiro, peritos constataram que a morte fora causada por intoxicação exógena por barbitúricos, seguida de asfixia mecânica por compressão — todo o desenrolar desse fato resultou em mais assassinatos, impunidade e a certeza de que, famílias importantes e com dinheiro, podem livrar quaisquer criminosos que a componha, somando-se a isso a corrupção toda do sistema judiciário e policial.

Esse crime poderia ficar esquecido, não fosse José Louzeiro, o qual mesmo sem ter conhecido pessoalmente ou sequer lido um livro (até este momento), ganhou minha profunda admiração ao assumir a responsabilidade do seu papel dentro da sociedade, como escritor indignado com tamanha brutalidade.

Autor do livro Aracelli, Meu Amor, que conta em detalhes o desenrolar do caso, inclusive as versões dadas para o crime, relata que esse ato violento, produziu ainda catorze mortes, “queima de arquivo” envolvendo possíveis testemunhas, investigador e outros interessados em contribuir para a solução do crime.

Louzeiro mesmo foi vítima de tentativa de assassinato, enquanto investigava o crime em Vitória para produzir seu o livro. Recomendo, portanto, a leitura desta obra investigativa.

Enfim, gostaria de fazer uma melhor descrição do caso e também do livro, mas isso exigiria muitas linhas, o que não é a intenção deste espaço.

Ao menos, acredito ser importante relembrar esse acontecimento e despertar nos leitores o interesse por encontrar o sentido para as datas que hoje lembramos como dias de lutas ou comemorativas, que antes de nós, outros sofreram ou “viveram a história” para que hoje pudéssemos ter leis, direitos, entra tantas outras coisas, garantidas.

O crime cometido contra Aracelli ficou impune, mas contribuiu e muito para nos alertar a respeito dos direitos infantis, para o desenvolvimento de novas leis, para a aceleração de investigações e processos que envolvam a violação desses direitos, assim como as punições; embora tudo isso seja muito pouco, perto da possibilidade de viver que foi tirada de mais uma criança.

Vasos comunicantes e caixa chinesa

Costumeiramente se diz que “um romancista não vive sem técnicas narrativas”. O que de fato é verdade e bem lógico, afinal, ao colocar suas ideias no papel ele presumivelmente estará aplicando algum tipo de técnica para se fazer entender.

É também uma ação estratégia para enfatizar ou não algum ponto, tema, diálogo, ritmo, entre tantos outros, dentro de uma obra. Por exemplo, um escritor pode empregar algumas técnicas que sugerirão um ritmo veloz à história

>As técnicas narrativas não são usadas apenas por grandes escritores de romance, mas vamos nos ater especificamente a esse tipo de literato. E falar em grandes romancistas atualmente é falar de nomes como o do escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Segundo Jorge Ninapayta, um importante analista das obras do literato, as técnicas utilizadas por Vargas Llosa são de extrema importância, pois constituem um elemento de funcionalidade em suas obras, com a intenção de diminuir a distância entre o leitor e a narração.

E assim, cria principalmente em suas primeiras obras do final dos anos de 1950 e as de 1960, um narrador cuja presença não é percebida, levando o leitor a adentrar na história e ser envolvido nas situações enfrentadas pelos personagens.

Como o título deste texto sugere, algumas das técnicas mais usadas pelo romancista peruano e que ganharam notoriedade em suas primeiras obras são os “vasos comunicantes” e a “caixa chinesa“.

Em seu livro chamado La novela, Vargas Llosa nos indica que os vasos comunicantes são na verdade uma associação dentro de uma unidade narrativa de acontecimentos, situações, temas, personagens, que acontecem em tempos e lugares diferentes. Dessa forma, o escritor associa ou funde esses acontecimentos, personagens, etc.

Agrupando tudo isso em apenas uma realidade narrativa, cada situação revelam suas tensões, suas emoções. Dessa fusão emerge uma nova experiência que vai lançar um elemento perturbador, inquietante que dará uma aparência de vida.

Pode parecer complicado lendo as palavras do escritor, mas não é, na verdade essa técnica consiste em intercalar as histórias, sem contá-las por inteiro, vão se misturando, ritmando a leitura. Não há o regrado “início, meio e fim” em conjunto, começa-se a contar uma situação aqui e sem finalizá-la, já inicia uma nova situação, em outro lugar, outra região e assim por diante, interpondo os fatos contados.

O livro A Casa Verde é uma excelente indicação de leitura para quem deseja conhecer melhor essa técnica.

As cajas chinas têm sua origem nas tão conhecidas caixinhas chinesas. Ao abri-las, sempre encontramos uma caixinha menor, outra menor e assim por diante. Ou então as chamadas matrioskas, bonequinhas russas colocadas uma dentro das outras.

Essa técnica, segundo Vargas Llosa consiste em introduzir intermediários entre o leitor e a narração, e estes vão produzindo transformações, surgindo novas experiências e tensões para que o leitor esteja sempre dentro do feitiço necessário para a plena realização de um romance na mente do leitor.

Ou seja, há uma história dentro da outra, sendo a posterior subordinada à primeira, mantendo uma relação dependente e enriquecedora, pois a totalidade do romance se engrandece com a soma das histórias. Conversa na Catedral é outro bom exemplo para verificar essa técnica.

Mario Vargas Llosa é reconhecidamente um dos gênios do romance atual. As técnicas apresentadas aqui não são as únicas utilizadas pelo escritor, aliás, já em suas obras do início dos anos de 1970 uma série de modificações vão surgindo no modo em como o escritor narra seus romances, por exemplo, uma maior presença de humor e participação do narrador durante a história, ações que não aconteciam anteriormente, principalmente esta última.

Enfim, conhecer as técnicas que um autor usa em seus textos podem aguçar nossa vontade de ler, buscar novas aspirações no mundo literário e, além disso, aumenta a nossa compreensão e ajuda-nos a desvendar as intenções de um escritor.

A revolução por uma amizade: Camus e Sartre

Albert Camus e Jean-Paul Sartre foram grandes amigos. Embora se conhecessem através dos livros, o encontro aconteceu por volta de 1941 quando ambos estavam engajados na Resistência Francesa, um movimento de ações, ideias, debates, durante a Segunda Guerra Mundial que visava combater os países do Eixo e seus apoiadores, voltando-se contra o poder nazista, o racismo e a ditadura na França.

Sartre já havia escrito anos antes um ensaio para elogiar a obra O Estrangeiro de Camus e este, em 1938, havia resenhado para um jornal argelino o livro Náusea, de Sartre. Finalmente se conheceram em uma festa, na pré-estréia de Les Mouches, primeira peça de Sartre. Os laços foram fortalecidos, ao menos nos primeiros anos, pela crença no socialismo, comunismo e no compromisso dos escritores em praticar uma literatura engajada.

No entanto, em 1951, Camus escreveu um ensaio chamado O Homem Revoltado, em que citava e reflexionava sobre as manchas, mazelas e chagas das revoltas e revoluções em diferentes períodos, incluindo a Revolução Russa.

Camus não poupou críticas ao Stalinismo, em relação à falta de garantia de liberdades universais. Para ele, a revolução era uma espécie degradação dos movimentos de revolta por buscar algo que ainda estava por vir e que de fato não existia.

Entretanto, para se sair vitoriosa, a revolução precisaria se tornar totalitária, praticando assim o que conhecemos de “justificação dos meios pelos fins”. Diante disso, na visão do escritor, a URSS havia se transformado em um império e legitimava ações como, por exemplo, o assassinato em massa.

Para combater o mal, o revoltado, já que se julga inocente, renuncia ao bem e gera novamente o mal“.

O impacto de seu ensaio foi gigantesco entre os intelectuais socialistas. Era preciso dar uma resposta à altura. E assim foi decidido, através da revista Les Temps Moderns, fundada na França por Sartre, Merleau-Ponty, Raymond Aron, Simone de Beauvoir, entre outros.

Sartre, de antemão, recusou-se a escrever tal crítica alegando questões de amizade. A tarefa ficou a cargo de Francis Jeanson que publicou em maio de 1952 o texto Albert Camus ou a alma rebelde, criticando duramente o texto de Camus e sua postura.

A contra-resposta de Camus não tardou a vir e foi tão forte quanto a crítica. Sartre, então, respondeu as insinuações direcionadas a ele, principalmente por ser diretor da revista e saiu também em defesa, de certa forma, da opinião compartilhada por alguns que nela escreviam. Começou ali o fim de algo tão grande, que talvez não tenha acabado.

Isso porque mesmo em meio às desavenças ideológicas, como as críticas de Camus ao engajamento e também à inércia dos intelectuais de esquerda frente às ações “ditatoriais” do socialismo, ambos jamais deixaram de citar um ao outro, de se lerem e respeitarem mutuamente.

Dizia Sartre em sua última entrevista, a Simone de Beauvoir:

“(…) no início; durante um ano ou dois tudo transcorreu bastante bem. Ele era engraçado, extremamente grosseiro, mas muitas vezes muito engraçado (…) o artigo foi publicado, mas em condições especiais: Jeanson concordara em mostrar seu artigo a Camus — foi a única restrição que aceitou — antes que fosse publicado, perguntando-lhe se estava de acordo. Camus ficou furioso e redigiu um artigo onde me chamava: Senhor Diretor — o que era cômico, porque não nos tuteávamos, mas nos falávamos bastante livremente, não havia “senhor” entre nós. Então, fiz um artigo para responder às suas insinuações; Camus falava pouco de Jeanson em seu artigo, atribuía-me todas as ideias de Jeanson, como se tivesse sido eu que houvesse escrito seu artigo; respondi-lhe duramente e aí cessaram nossas relações; conservei simpatia por ele, embora sua política nada tivesse a ver comigo, entre outras coisas, sua atitude durante a guerra da Argélia.”

Muitos estudiosos do “conflito entre amigos” relatam que no fim, as desavenças pareciam evidenciar que, enquanto Camus se mantinha em silêncio frente às ações do Neocolonialismo e suas atrocidades, como as da França para com a Argélia — que Sartre tanto criticava –, este último parecia não ouvir as denúncias das ações repressoras dos soviéticos, como por exemplo, os campos forçados de trabalho.

No fim, o que restou é a sensação de que, mesmo com a ruptura, a relação entre Camus e Sartre continuou a ser muito frutífera, principalmente no ponto de vista da riqueza dos embates intelectuais em que estavam imersos e que muitas vezes, diretamente ou não, se respondiam, contribuindo para a diversidade de opiniões dentro de seus respectivos pensamentos e crenças.

“Ele foi meu último bom amigo”, Sartre.